POR QUE SOU PRESBITERIANO?
VI – POR SUAS DOUTRINAS
O Presbiterianismo não vive fazendo alarde de suas doutrinas já dissemos que ele é Cristocêntrico. Logo, tem em Cristo o supremo tema de sua pregação.
Mas, o que o tem sustentado durante tantos séculos é o seu firme fundamento doutrinário. São os seus princípios, consolidados através da experiência multi-secular. Não tem vivido a fazer tentativas, nem se preocupando com coisinhas de natureza superficial que o tempo se encarrega de destruir. Tem vivido com fé nesse fundamento, suportando as perseguições, o descrédito com que tentam denegri-lo e combates, morte e ameaças de extermínio contra os seus adeptos.
Doutrina é o fundamento de um sistema. É o alicerce sobre o qual se levanta o edifício. É a parte sólida, resistente, do fundamento. Na doutrina estão reunidos os princípios a serem transmitidos, porque eles é que contêm a parte a ser praticada na vida. (Tt 1.2). A doutrina é diferente do dogma nisto: a doutrina permite investigação, análise; dogma, não; é imposto.
Dai a importância da doutrina para qualquer sistema, seja religioso ou filosófico; político ou administrativo.
O Presbiterianismo tem por base dez doutrinas consideradas as fundamentais. Dessas, cinco são comuns com outros ramos da árvore evangélica geralmente conhecidas no mundo. As outras cinco são distintivamente presbiterianas.
A seguir, as doutrinas do primeiro grupo nas quais os presbiterianos crêem:
1 — em um Deus trino;
2 — em Jesus Cristo particularmente, como sendo a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade;
3 — na Bíblia, a Palavra de Deus, a única regra de fé e prática; ,
4 — no novo nascimento dos conversos, e
5 — na ressurreição dos mortos.
As doutrinas do segundo grupo, isto é, as distintivamente presbiterianas, são:
1 — a absoluta Soberania de Deus;
2 ― a Predestinação;
3 ― a Salvação pela Graça;
4 — a Perseverança dos Santos, e
5 — o Governo Representativo.
DOUTRINAS EM COMUM
1 – DEUS TRINO
O presbiterianismo crê que há um Deus unto que subsiste em três pessoas: Pai, Filho e o Espírito Santo. Três pessoas distintas e uma só verdadeira, é o que ensina. Um mistério? Sim, mas um mistério admitido como fundamental.
Muitos pensadores eminentes e sinceros têm procurado destruir este princípio doutrinário. Outros têm se esforçando em busca de outras formas para substituir a doutrina da Trindade. Ela vem resistindo desde que foi formulada.
No século terceiro, Sabellius — um presbítero da cidade de Roma — lançou a idéia de que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são três manifestações de uma só pessoa. A novidade era racional. Mas, não era uma novidade. Religiões pagãs orientais já admitiam e esculpiam deuses com essa forma. O que Sabellius queria era enfraquecer o cristianismo, com a sua “trindade modal”. Não triunfou.
No século quarto, Ario, presbítero de Alexandria, também lançou uma doutrina nova sobre a Trindade. Dizia que Cristo não era igual ao Pai em natureza; era só semelhante. O arianismo, se bem que condenado pelo Concílio de Nicéia (425), prevaleceu por algum tempo.
Muitos outros estudiosos da questão sugeriram idéias novas. Nenhum conseguiu vencer a doutrina. Em 1774 T. Lindsay e J. Priestly acharam que Deus era uma só pessoa. Fundaram o Unitarismo que ainda hoje existe. Em 1778, o visionário Emanuel Sweedenborg, sueco, criou a “Igreja da Nova Jerusalém” que concentrou todo o poder em Jesus Cristo. Era uma desfiguração do princípio fundamental de que o Filho procede do Pai.
Parece bem o que diz o Rev. Alfredo Borges Teixeira, ao afirmar: “Deus é um em essência e três em pessoas”. A palavra pessoa é usada porque não temos outra para melhor exprimir a idéia da entidade divina. Mas, o fato é que os três são um mesmo Deus, igualmente divinos em eternidade e majestade, sem subordinação.
A doutrina da Trindade, prática e aceitável é, como dissemos, um mistério. É sobrenatural. É uma câmara escura, onde a mente humana não penetra. Mas que é perfeitamente aceitável ao reconhecer a manifestação do Seu poder na Criação, conforme Rm 1:20. O nosso próprio ser, com tantos fenômenos que a Ciência não explica. Recusaremos aceitar os fatos só porque não estamos em condições de os explicar?
A Igreja Presbiteriana adota a doutrina da Trindade e a apresenta aos seus adeptos como digna de fé. Não se oferece para torná-la compreensível como uma fórmula matemática. Numerosos teólogos de vários países têm estudado o assunto. Todos são sinceros e francos. Nenhum deles procura iludir o raciocínio humano. O que dizem, entretanto, parece bastante para demonstrar que a doutrina da Trindade é digna de fé, é edificante e consoladora.
2 – A DIVINDADE DE JESUS CRISTO
No cumprimento dos tempos, Deus encarnou-se. Jesus Cristo é o Deus encarnado. Concebido milagrosamente, nasceu sem pecado. Viveu sem pecar (II Co 5.21), morreu inocente. Perguntou a Seus ouvintes quem o acusaria de qualquer pecado, e a multidão permaneceu silenciosa.
Assim foi, porque Ele era a segunda pessoa da Trindade. Igual ao Pai em natureza e semelhante ao homem em tudo mais, menos no pecado.
A questão da Sua divindade é um problema muito antigo. São João a menciona em 1 Jo. 1.22. Daí para frente, a chamada “questão Cristológica” tem abalado muito o pensamento humano. A primeira decisão importante a este respeito foi tomada no Concílio Ecumênico de Nicéia — uma cidade da Ásia Menor ― no ano de 325 de nossa era. Reunido para enfrentar a heresia dos Arianos, depois de longamente debatido, decidiu que Jesus Cristo era Deus. Mas, nem todo mundo O aceita assim. São contra Cristo hoje, na condição de segunda pessoa da Trindade, diversos grupos respeitáveis no mundo religioso. Entre eles: os unitarianos, os mormonistas, os espíritas, os teosofistas, os cristãos científicos, os maometanos e muitos outros.
O Presbiteriano crê que Ele é o autor da salvação completa, perfeita, toda suficiente e eterna, para o homem decaído. Assim, Ele é o cabeça da Igreja, o cumprimento das profecias, Senhor e Servo, Sacerdote e vítima sacrificial, Rei e súdito. Morreu e venceu a morte na ressurreição.
Ele veio para os Seus, mas os seus o rejeitaram e continuam a rejeitar até hoje. Mas, Sua missão foi cumprida. Satisfeita a justiça do Pai, Ele subiu aos céus, de onde vai voltar um dia como Rei triunfante.
3 – A BÍBLIA
Inspirados por Deus, homens piedosos escreveram ― separados e durante séculos ― sessenta e seis pequenos tratados. Todos, juntos, formaram o Cânon que chamamos de Bíblia ou Sagradas Escrituras, a Palavra de Deus.
Dividida em dois grandes grupos, ela compreende o Velho (ou Antigo) Testamento e o Novo Testamento. Entre os dois houve o maior dos acontecimentos da História: a encarnação do Filho de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo.
O Velho Testamento levou mais de mil anos para ser escrito, e o Novo, quase cem. Mais ou menos trinta e seis autores trabalharam nesse tempo, dando sua colaboração para a composição dos Cânones Sagrados, muita vez sem o saber. Escreveram de diversas maneiras, empregando diversos materiais. Homens piedosos reuniram seus trabalhos e organizaram o grupo de livros canônicos.
Entre os anos 285 a 287 antes de Cristo, O rei do Egito, Tolomeu Filadelfo, pediu o envio de setenta e dois homens hebreus, conhecedores da língua grega, dotados de virtudes espirituais o morais, piedosos, para, em Alexandria, fazerem a versão dos textos sagrados para um volume. Colocados em câmaras separadas, trabalharam 72 dias e fizeram o que se chama “A Septuaginta” ou “Versão dos Setenta” ou, somente “Setenta”. As referências que Jesus Cristo fez das Escrituras Sagradas são tiradas dessa Versão.
No ano 383, de ordem do bispo de Roma, Dâmaso, São Jerônimo, varão reto e sábio, fez a segunda mais célebre versão do Velho Testamento. É a conhecida como “Vulgata Latina”, muito usada pela igreja Católica Romana.
Houve muitas outras versões; antigas e mais recentes. As que foram feitas diretamente dos originais, chamam-se diretas. As que tiveram origem em versões, indiretas. Já temos uma “Versão Brasileira” muito citada.
Sem erros, nem mitos, nem sortilégios, esses livros ajustam-se uns aos outros formando um admirável todo homogêneo. Como se fossem feitos para isso. E, nisso manifestam a revelação divina. Nem todo mundo pensa assim, que a Bíblia seja a revelação e a vontade de Deus juntas. Karl Barth, teólogo alemão, acha que uma coisa é o livro e outra a revelação.
O que ninguém pode negar é que os frutos dos ensinamentos bíblicos têm feito coisas maravilhosas no mundo. A História tem provado que suas profecias são verdadeiras porque tem testemunhado muitas delas cumpridas rigorosamente. “A história da sua influência”, diz Angus Green, “é a história da Civilização!”
Podemos continuar a crer nela como única regra de fé e prática. Não há regras melhores. Os Credos (Apostólico, Confissão de Augsburg, 25 Artigos de João Wesley e outros) são formulários de aplicação dos ensinamentos da Bíblia. A ela se anexam. A ela não se nivelam. Com ela não se confundem.
A Igreja Presbiteriana não a entroniza em seus templos. Ela não é objeto de culto como livro. Ela vale pelo que contém e o que contém é essencial para conduzir o homem à salvação em Jesus Cristo.
4 – O NOVO NASCIMENTO
É a mudança da personalidade. Uma transformação total, como se o espírito nascesse de novo. A criatura se transforma, tanto que perde o contato com o que passou, que era, antes do encontro com Jesus Cristo (Jo 3.5,6). A transformação é feita no exato momento em que o homem crê em Cristo como seu Salvador. O Espírito Santo o domina e transforma.
A doutrina do novo nascimento é provada com a observação. As teorias, as explicações, além do que diz a Palavra de Deus, pouco adiantam.
Quando a criatura se rende, há um momento em que as características da personalidade suspendem subitamente suas atividades. As tendências, as taras, a imaginação, os sonhos e os ideais, a hereditariedade, os conflitos internos, o intelecto, a cultura, a riqueza, a posição social, tudo, se transforma no todo ou em parte. Há uma imagem nova na vida da pessoa: Cristo. É um novo Senhor; novo morador da alma. Jo 14,23; II Co 5.17; Gl 6.15.
Daí em diante o mundo vai ver que onde havia imundície, aparece limpeza. Onde se achava desespero, surge esperança. Onde dominavam os vícios nasce à virtude. Onde se pensava em morte passa-se a pensar em vida. Onde se temia o inferno, haverá regozijo com a antevisão do Céu. E a criatura passa a viver uma vida positiva e edificante.
O domínio do Espírito Santo é total. Como a criatura não conseguiu resisti-lo, agora convivem como dois camaradas. E que companhia resultou do novo nascimento!
5 – RESSURREIÇÃO DOS MORTOS
A cessação da vida é inevitável. Do ponto de vista da natureza decaída é, até, necessária para renovar a espécie. Do ponto de vista religioso é a separação entre o espírito e o corpo. Quanto ao destino do espírito as opiniões dividem-se. Uns pensam que tudo acaba, então, o chamado “espírito” era uma alma que se aniquilou como o corpo. Outros asseguram que o espírito prossegue, mas adormece. Fica em estado de repouso até um certo dia. É o que pensam os Adventistas. Outros, ainda, acreditam que o espírito preserva sua vitalidade e vai aguardar a restauração do corpo, para uma reunião futura. Não entremos em detalhes.
O que é verdade, permeando todas essas opiniões, é que o homem prefere, em sua maioria e em todos os estágios de civilização, fugir ao aniquilamento total na morte.
Jesus Cristo deu uma nova esperança aos cristãos. No principio os cristãos não compreendiam bem o Seu ensinamento. Lamentavam quando morria alguém, como os tessalonicenses, porque achavam que tais mortos haviam perdido a oportunidade da ressurreição. São Paulo teve que dar muitas explicações. Entre outras, a de que o tempo para Deus não existe. O que importa é estar preparado para o encontro com Jesus Cristo a qualquer hora. A ressurreição virá depois. Talvez muito depois.
Os judeus crêem na doutrina da ressurreição assim. Crêem a seu modo. Acham que Abraão ficará à porta do Paraíso fiscalizando a entrada, para só permiti-la aos do seu povo.
A fé na ressurreição dos mortos está em toda a Bíblia. É a aspiração de toda a humanidade. É uma doce esperança, não embalada pelos pagãos.
Por esta doutrina, quando chegar “o dia”, os mortos reaverão seus corpos, que serão reconstituídos em perfeição e incorruptibilidade. Permanecerão assim para sempre.
Há idéias que dessa se aproximam em outras religiões. Em todas essas, porém, a criatura extingue-se ao atingir a perfeição. Toma outra forma. Em algumas, incorpora-se à divindade. O fato é que a pessoa humana, de onde veio, desaparece, como no nirvana de Buda.
Na doutrina cristã a pessoa se conservará como tal. Jó diz (19.26,27) que em sua carne verá a Deus e os seus olhos O contemplarão. É uma afirmação maravilhosa. Essa é a fé pregada pelo Presbiterianismo.
A. Cruden afirma: “a ressurreição de Cristo é o mais importante tema do Evangelho e a demonstração do resto dele”. Bem quer que seja. Não as consideramos como dogmas.
DOUTRINAS DISTINTIVAMENTE PRESBITERIANAS
As cinco doutrinas seguintes são distintivamente presbiterianas e, por isso, as defendemos. Entretanto, não as impomos a quem quer que seja. Não as consideramos como dogmas.
Só dos oficiais da igreja, e para que recebam as ordens sacras, exige-se que as aceitem. Assim mesmo, a definição da opinião deles é pedida em termos liberais, perguntando: “Aceitais e adotais a Confissão de Fé e os Catecismos da nossa Igreja, como contendo o sistema doutrinário ensinado nas Sagradas Escrituras?”. O eleito tem liberdade para aceitar ou recusar. Se recusar, não deve ser ordenado.
Dos adeptos em geral, não se exige isso. Esse procedimento torna possível o que afirmava S. Agostinho: “Plurimi sunt fores ovi, plurimi lupi intus”. Quer ele dizer que há muitas ovelhas fora do aprisco (João 10.16) e muitos lobos lá dentro (!). João Calvino trata do assunto nas “Institutas”. Mas, como não sabemos quem é, e quem não é, franqueamos nossa mesa de comunhão a todas as pessoas em plena comunhão com a fé evangélica de qualquer ramo. Deus é o supremo juiz; deles e de nós os que pertencemos à comunidade que oferece a mesa.
Dessas cinco Doutrinas Distintivas, a primeira, pela ordem de grandeza, é:
1 – A ABSOLUTA SOBERANIA DE DEUS
Esta é a pedra fundamental da fé presbiteriana. A doutrina a que se dá o maior respeito no calvinismo.
A doutrina da Soberania divina mostra que Deus é o Senhor de tudo. E que, embora com todo o poder, Deus governa tudo com sabedoria e amor. Tudo saiu das mãos de Deus, na Criação. Tudo é de Deus. E Ele reina sobre Sua obra. É o que relatam as Escrituras Sagradas desde o princípio até o fim. O último livro, o Apocalipse, termina dizendo: “O Senhor todo poderoso reina!”
De conformidade com esta doutrina, Deus reina de fato e de direito. Nada O surpreende. Nada O limita, nada O detém, nada se Lhe antecipa, tudo acontece na hora própria. Suas leis são imutáveis e são executadas dentro dos Seus propósitos. Por exemplo: um homem adoece. O mal agrava-se. Pela lei natural ele deve morrer. Mas Deus, sem mudar a lei natural e usando Seu poder —que criou a lei natural — suspende a ação da lei no caso, atendendo a uma oração. O homem não morre. E Deus empregou Sua soberania. Isso, porém, não é o vulgar, o comum. Perderia em mérito se o fosse.
Deus não depende das mudanças constantes de pensamento, de decisão e de ação do homem, ou como o homem. Ele governa com um plano que é abrangente, total, para a obra criada no universo. O plano é executado dentro de leis, conforme citado. São regras que Deus considerou necessárias e obrigatórias para a natureza, os astros e planetas, o movimento, os corpos, tudo, enfim. Evidentemente, Ele domina essas leis. E, quando, por qualquer causa do seu agrado, suspende ou adia a sua execução, ocorre um milagre.
Deus reina com sabedoria. Sabedoria pura e completa; insondável para o homem.
A Soberania divina não conflita com a Sua Paternidade. A Soberania demonstra o Seu poder, direito e autoridade. A Paternidade mostra o Seu amor e Sua bondade, como doador só de boas coisas.
Deus é “soberano na criação, na providência e na salvação”. Como soberano Ele é justo; e por amor, na Sua Justiça, Ele exerce o perdão.
2 – PREDESTINAÇÃO
É uma doutrina que decorre da anterior. São irmãs gêmeas. Como soberano e todo poderoso, Deus é Onisciente, Onipresente e Onipotente.
Esses três atributos Lhe permitem conhecer tudo o que acontece. Para Deus não há passado, nem presente, nem futuro.
Quanto ao que vai acontecer, que chamamos de futuro, Deus o vê como se fosse o presente. Não se opondo à aplicação de suas leis ao fato que vai acontecer, Ele exerce ato de Predestinação. Não é uma interferência, diríamos, pessoal no caso. Ele não determinou que acontecesse, como muitos pensam que deveria ser para aceitar a doutrina da Predestinação. Ele, também, não impediu que o homem, ficando sem o direito de livre arbítrio, seja reduzido a uma máquina, a um autômato.
Governando o mundo, Deus o administra, também. E o administra com amor paternal, chegando a conceder ao homem dádivas naturais e sobrenaturais na medida das conveniências, a critério d’Ele. Essa administração, essa concessão de dádivas, é a Providência. Um benefício divino que se opõe ao fatalismo, a “tudo o que tem de ser, será”. Um teólogo afirma: “Não é o que tem de ser que será, mas o que Deus decretou e propôs é que será”. A diferença é muito grande. Não é uma sucessão de fatos mecânicos, a nossa vida; é uma bela seqüência de atos inteligentes e racionais encadeados dentro de um plano.
O sábio G. F. Hegel (1770 a 1831) escreveu: “Deus governa o mundo; o que o seu governo hoje realiza — a execução do Seu plano — é a História”. Essa afirmativa dá à História uma significação muito maior e ao seu registro uma função espiritual.
O fato mais belo a acentuar é que, dentro desse quadro, o homem tem liberdade de ação. Liberdade responsável, como se costuma dizer hoje. Liberdade debaixo da Lei, como se dizia outrora. Não há dúvida de que os papéis de todos esses fatores no conjunto constituem um problema difícil. Pode-se fazer muita especulação em torno disso. O assunto é grandemente inspirador e pode ser explorado por homens sinceros ou não. A verdade é que o plano vem funcionando há milhões de anos. A Bíblia está cheia de histórias que exemplificam isso. A de José do Egito — um personagem histórico ― é uma delas.
É uma doutrina edificante que podemos adotar até sem compreender.
3 – SALVAÇÃO PELA GRAÇA
O homem foi criado em estado de pureza. Nesse estado convivia com Deus.
Satanás levou O homem a quebrar essa harmonia. Tudo mudou. O homem perdeu aquela imagem de Deus em inteligência, liberdade sã, espiritualidade e passou a experimentar a agonia da morte.
A semelhança de Deus que nele havia em qualidades morais ficou seriamente avariada. Até o seu domínio sobre os animais diminuiu em poder. O homem caiu do alto de um pedestal e ficou sem compreensão (Ef 4.18), com a consciência entorpecida (Hb 10.22), com a vontade relaxada (Rm 8.7), tornou-se sensual (Ef 2.3) e corrompeu-se em tudo mais (Gn 6.5).
Iludido em sua boa fé, pouco custou para que ele compreendesse o erro que cometera, o mau negócio que fizera, enganado com o sonho de poder viver sua própria vida. Tornara-se inimigo de Deus por livre escolha.
Aí, a grande tragédia do gênero humano.
Mas, houve um outro enganado nesta história: Satanás. Ele pensou que havia destruído a obra prima de Deus e errou. Além dessa derrota, as Escrituras Sagradas têm relatos de diversas outras derrotas fragorosas do inimigo de nossas almas. Um exemplo, o de Jó.
Deus não tomou o acontecimento como uma derrota. Ele dera liberdade ao homem, com uma alternativa. Satanás induzira o homem a fazer o que o Senhor havia proibido. O homem caiu mas não foi irremediavelmente aniquilado. A aniquilação total seria a vitória do diabo. Imediatamente após a queda, Deus prometeu enviar Seu próprio Filho como o Mediador da Reconciliação. Os que acreditassem que Ele viria (na velha Dispensação) seriam reconciliados mediante a fé na futura vinda do Mediador. Os que cressem n’Ele depois de Sua vinda, seriam também reconciliados com Deus.
A oferta do Filho, cujo sacrifício tem o mérito de nos redimir perante o Pai, foi inteiramente gratuita. E a doutrina que a contém é a da Salvação pela Graça.
Como poderia o homem pagar uma dádiva tão cara em preço e qualidade?
Esta belíssima doutrina costuma ser mal interpretada e mal anunciada. Vejamos os três meios de salvação muito anunciados em pregações:
I ― Salvação pelo Caráter — Os méritos infinitos de Cristo deixam de ser apresentados como deviam ser e, em seu lugar, anuncia-se, calorosamente, a reconciliação com Deus por meio de atos bons. Recomendase buscar a Deus por meio de rituais, códigos de vida religiosa, de moral, prática de virtudes, participação em sacramentos, sacrifícios do corpo, privações, restrições (até alimentares), segregamento social e outros. Orações, orações intermináveis, jejuns, atos, enfim, de pessoas que, talvez, nem se lembrem de Cristo!
Essas coisas contrariam a doutrina da Salvação pela Graça. O efeito desta doutrina é a imediata qualificação do que crê como cidadão do Reino de Deus, o encontro imediato com Cristo. Renascido, o individuo, necessariamente, faz boas obras. Não nos salvamos “pelas boas obras, mas para as boas obras”, disse alguém com muito acerto.
II — Salvação pela cooperação com Deus — Consiste em dar muito valor à parte do homem no processo da reconciliação. É uma atitude perigosa, que conduz à religião do fazer. Há muitos que pensam que só é vida religiosa a que é vivida estafantemente em trabalhos. Mas no Reino de Deus há lugar para as Martas e as Marias. E todos os que querem fazer alguma coisa, devem pensar em Tg. 4.15. Nem tudo O que se quer fazer é aprovado por Deus.
Deus é quem nos leva a querer e a fazer (Rm 7.18,19; Fp. 2.13). Ele age primeiro em tudo. São d'Ele as regras do jogo. O homem da mão mirrada recebeu ordem para estendê-la e, em seguida, Cristo operou o milagre. Na obediência já havia uma parte do milagre. (Mt 9.13); o aleijado sabia que não podia estender a mão. Ao ressuscitar Lázaro, O Senhor gritava à beira do túmulo: “Lázaro, sai para fora!” (Jo 11.12). Feita Sua parte, Deus manda fazer o complemento.
O que importa na salvação é o ser, é estar em condições de cumprir a vontade de Deus. Depois, então, vem a parte a realizar. A iniciativa é de Deus.
III — Lê-se na Confissão de Fé Presbiteriana (XVIII.I):
“... os que verdadeiramente crêem no Senhor Jesus Cristo e O amam com sinceridade, procurando andar diante d’Ele em toda boa consciência, podem, nesta vida, certificar-se de se acharem em estado de graça e podem regozijar-se na esperança da glória de Deus...”
Esse é o coroamento da Salvação na Terra. E, com ela, a segurança da vida eterna em glória, conforme Rm 6.23. É um dom gratuito de Deus.
Satanás lançara um desafio a Deus no Éden. O homem, que fora o objeto do desafio, só perdeu; de ambos os lados. Do de Satanás, porque ele nada tem de bom para dar; do de Deus porque incorreu num castigo natural como resultado da desobediência. Mas, o acontecimento foi a grande oportunidade para a demonstração do Amor de Deus. Simultaneamente com o castigo veio a oportunidade de pagar a ofensa: a reconciliação com o Pai por intermédio do Filho, Jesus Cristo.
Vale a pena pensar, como homens, no valor dessa oferta. Pensar no assunto como uma transação: trocar Jesus Cristo pelas obras, é que é absurdo! É, acima de tudo, desvalorizar o mérito do Senhor Jesus Cristo, como Mediador. É não dar importância ao Seu sacrifício na cruz. E quem assim procede está a serviço do inimigo de Deus (Jo 3.18, 36).
Assim, é de dizer-se, a Graça preexistia. É um favor que, já existindo, não cessou com a queda do homem. Ela, que era antes dos tempos (I Tm 1.9), prevalecerá após os tempos. E, debaixo da sua influência como se estivesse sob uma cúpula, o pecador entra no caminho da reconciliação com o Pai. Eis a dinâmica da redenção: 1) Ouvida a chamada de Deus (Confissão de Fé X.I), o pecador humilha-se e dispõe-se a 2) aceitar o sangue redentor de Jesus Cristo (Jo 3.16). Em seguida, 3) o Espírito Santo apossa-se do indivíduo, domina-o totalmente e ele se torna incapaz de resistir (Confissão de Fé X.II). Segue-se 4) a confissão pública indispensável (Mt 10.32).
Depois desse início —de nova vida vem um processo de aproximação para com Deus e um conseqüente afastamento do diabo. Mudamse os gostos do coração. Aprimoram-se as virtudes; quem não as tem? A regeneração e instantânea. A santificação é gradativa e progressiva. E o novo homem começa ia sentir prazer nos benefícios da nova pátria (Ef 2.8-10).
Essa resumidíssima vista panorâmica dá uma idéia da estupenda doutrina da Salvação pela Graça.
4 – PERSEVERANÇA DOS SANTOS
É uma doutrina muito cara ao Presbiterianismo. Faz parte dos chamados “Cinco ponto do Calvinismo”. Não é aceita por todos os grupos evangélicos.
A convicção presbiteriana é de que o Espírito Santo é irresistível. Quando Ele se apossa do homem, isso acontece como uma rendição total da parte do pecador. À rendição total corresponde um domínio total. Um domínio total só pode ser de um efeito total na ação e no tempo. Logo é acreditável que esse domínio não possa ser removido.
A base da doutrina está na convicção de que Deus não muda. A criatura, por Ele salva, não pode, depois, ser condenada. Também está intimamente ligada à obra redentora de Jesus Cristo. Uma vez redimido o homem, ainda que continue sujeito a errar, está redimido para sempre. E se ele está redimido não somos nós quem o pode julgar. A doutrina afirma que a redenção é total. Mas, se A, B ou C está redimido, ao homem não cabe decidir.
Quem diz que a redenção é definitiva é o Senhor Jesus. Em Jo 10.28, e 29 lemos: “...ninguém os arrebatará de minha mão” e referências, veja-se o que S. Paulo escreveu aos Romanos, capítulo 8. Vejam-se, especialmente, os versículos que, diríamos, “chaves” de abertura e de encerramento do capítulo. O primeiro abre a revelação sobre a doutrina da Perseverança dos Santos; o último a encerra com a clareza do meio-dia.
A possibilidade de quedas continua na vida do homem. Mas, é parcial, conforme diz a Confissão de Fé; não mais haverá a queda total. Essa possibilidade leva a acreditar que a vida do homem reconciliado com Deus pode ter altos e baixos, avanços e retrocessos. Mas se for a vida de uma ovelha de Jesus Cristo, dominada pelo Espírito Santo de Deus, ela será sempre a de redimido.
É uma doutrina que conforta o coração humano. É grandemente consoladora. Reanimadora dos fracos, já que nem todos os filhos são do mesmo porte espiritual, como numa árvore, nem todos os ramos têm a mesma resistência e cor. Mas, ainda: como não podemos julgar — só Deus é Juiz — esta doutrina nos impele a difundir as verdades salvadoras, a pregar o Evangelho, a levar Cristo às multidões sem desfalecimento e a convocar os homens para que se voltem para o gozo dos direitos dos salvos em Cristo.
5 – GOVERNO REPRESENTATIVO
Já desenvolvemos este assunto em outra parte deste estudo.
Só nos cumpre, a esta altura, reafirmar nossa confiança nas doutrinas presbiterianas, segundo as quais, o governo representativo é de origem divina. Instituído por Deus, foi reinstalado na igreja Cristã Primitiva e redescoberto por João Calvino. João Knox o aprendeu com João Calvino em Genebra, levou-o para a Escócia e, de lá, espalhou para o mundo. Chegou até nós por via norte-americana, depois de ensaiado aqui pelos europeus.
A igreja existe para servir e não ser servida. Para atingir esses objetivos entrega o seu governo a oficiais que devem ter o mesmo ideal de servir e não de ser servidos.
Dar demasiada importância a um governo e atribuirlhe poderes exagerados é descaracterizar uma comunidade como de origem divina. As instituições consideradas divinas devem ser diferentes. Devem, pelo menos, reproduzir a imagem bíblica ao invés de reproduzir a humana.
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