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quinta-feira, 5 de março de 2009

OS LIMITES DA LIBERDADE CRISTÃ - Sim, Não e Talvez no comportamento cristão - 1 Coríntio 8-10



A maioria dos cristãos não têm dificuldades para distinguir entre coisas que são realmente boas e coisas que são realmente más. Mas quando chegam esta larga e escorregadia terra-de-ninguém dos assuntos duvidosos, a maioria começa a coçar a cabeça.
Ir à igreja no domingo? Certo! Cometer adultério? Errado! São assuntos sem dúvidas. Geralmente não causam problemas — pelo menos não quanto a se são certos ou errados.
Mas — e ir ao cinema? Dançar? Fumar? Beber um pouquinho? Divertir-se no domingo? Acariciar a namorada? Jogar cartas? Jogar na loteria? O quadro muda do preto bem preto e do branco bem branco para vários graus de cinza. Em muitos casos cristãos, às vezes da mesma igreja, para não dizer de diferentes partes do país, não conseguem chegar a um acordo sobre se estes ou outros assuntos éticos semelhantes são atividades legítimas para um cristão.
Em Corinto não houve nenhuma discussão sobre ir ao cinema ou jogar cartas. Estas tentações ainda não existiam. Mas os coríntios tinham o mesmo tipo de problemas. De todas as coisas, a que mais causava discussões naquele tempo era — comer carne.
Para nós pode parecer estranho, mas uma das tentações mais sérias para um cristão do primeiro século em Corinto era adorar um ídolo. Ninguém duvidava de que adorar um ídolo era pecado. Nenhum cristão espiritual se curvaria diante de um ídolo. Isto era tão fácil como preto e branco. Todo mundo concordava.
Mas as graduações de cinza apareceram quando alguns respingos da cultura dos pagãos que adoravam ídolos atingiram os cristãos. Será que a gente podia comer a carne que os pagãos tinham oferecido aos seus ídolos? Isto era prejudicial? Um cristão podia fazer isto? Comer esta carne era a mesma coisa que adorar o ídolo ao qual ela tinha sido sacrificada? Ou será que isto era o que a Bíblia chama de "aparência do mal"?
Para nós comer carne sacrificada a ídolos causa poucos ou nenhum problema. Mas 1 Co 8-10, que trata deste problema em seus detalhes, é extremamente importante. Esta passagem nos fornece princípios básicos de ética cristã que nos ajudarão a decidir em todos os assuntos que vierem ao nosso encontro em que tivermos dúvidas. Eu não conheço nenhum cristão que não esteja nessa situação. Precisamos de toda a ajuda que podemos conseguir.
Comer ou não carne sacrificada a ídolos é um assunto amoral. Temos de ter isto em mente para compreendermos esta secção de maneira completa. Não é nem moral, como amar o vizinho, nem imoral, como assassinato. Em si ele não tem qualidades boas ou más. Só as implicações que as pessoas lhe conferem pode lhe dar um ou outro significado ético.
Se conseguirmos compreender o ensino ético que Deus nos proporciona nestes capítulos, seremos capazes de resolver quase todos os problemas amorais com que, por uma ou outra razão, nos defrontarmos. Para os coríntios era a carne. Para nós, podem ser muitas coisas.

O problema: Carne sacrificada a ídolos

Contra o que os coríntios tinham de se posicionar? Excetuando a relativamente pequena colônia judia da cidade, toda a população de Corinto praticava a idolatria. Era a religião nacional. Adorar ídolos — e tudo o que isto compreendia (não esqueça do templo de Afrodite!) — tinha-se tornado parte intrínseca de sua vida, principalmente de suas atividades morais.
Reuniões familiares ou qualquer outra desculpa para uma festa maior, muitas vezes, eram ligadas com a festa de algum ídolo. Os que se convertiam ao cristianismo renunciavam imediatamente aos aspectos religiosos da idolatria. Eles sabiam que isto violava o primeiro mandamento que Deus lhes tinha dado. Reconheceram que o ídolo na verdade não era nada, só um objeto sem vida. Dispensaram a idolatria.
Mas os aspectos sociais da idolatria ainda traziam problemas espinhosos para os cristãos. Nem sempre era fácil separar a dimensão religiosa da vida social ou cultural. Havia três lugares em especial onde os coríntios podiam conseguir carne sacrificada a ídolos, ficando suspeito de tê-los adorado.

Onde encontrar a carne?

O primeiro lugar era o próprio templo dos ídolos. Alguém que quisesse dar uma festa comprava um novilho e o levava ao sacerdote para preparar a festa. O sacerdote matava o animal, queimava a gordura e os miúdos do animal em sacrifício ao ídolo escolhido, e usava o resto do novilho para oferecer no banquete cultural.
O sacerdote podia ficar com uma porção de carne como pagamento por seus serviços. Se sobrasse carne do banquete, ela era vendida aos açougueiros do mercado público. As festas mais extravagantes eram realizadas nos templos, e, às vezes, amigos ou parentes cristãos eram convidados.
0 segundo lugar em que os coríntios costumavam comer carne sacrificada a ídolos era em casa. Algumas pessoas, em vez de pagar as despesas de uma festa realizada no templo, traziam a carne para casa depois do sacrifício e convidavam seus amigos.
A festa, então, não transcorria às vistas do ídolo, mas a carne não era diferente da servida no templo. Será que um cristão podia aceitar um convite para um encontro social deste tipo? Ou isto era a mesma coisa que ir ao templo?
Por último, os mercados públicos também estavam cheios de carne sacrificada a ídolos. Tanto os cultuadores como os sacer¬dotes costumavam vender a carne que sobrava para os açougueiros. Já que os animais sacrificados tinham de ser sem defeito, esta era a melhor carne de todas.
É claro que era impossível distinguir entre carne sacrificada a ídolos e outras carnes, no balcão do açougueiro. Esta situação deixava as donas-de-casa cristãs escrupulosas num dilema, quando iam às compras.

Os abstinentes

Lembre-se de que, infelizmente, a principal qualidade não-espiritual dos coríntios era o mundanismo.O mesmo mundanismo que os dividira em quatro partidos, que os fizera tolerantes demais com o pecado em seu meio, e a distorcer os padrões divinos sobre sexo e casamento. Esta atitude também os levou a tomar posições opostas entre si no problema da carne.
Surgiram brigas feias. Alguns tinham convicções firmes quanto a não comer nenhum tipo de carne sacrificada a ídolos, não importa de onde fosse conseguida. Os judeus convertidos, compreensivelmente, poderiam pensar assim. Eles não comiam carne que não fosse "kosher", preparada conforme seus costumes. Muitos pagãos que antes da conversão tinham sido muito fanáticos por seus ídolos devem tê-los acompanhado na abstinência.
Missionários contam com freqüência que o zelo religioso parece ser um traço da personalidade. Ele acompanha a pessoa quando ela muda de religião. Um pagão fanático muitas vezes passa a ser um cristão fanático (ou anti-pagão). E um pagão moderado geralmente se torna um cristão moderado.
Assim, podemos compreender por que os idolatras mais devotos foram para o outro extremo, de rejeitar totalmente tudo que para eles era um vestígio da religião paga. Eles prefeririam se tornar vegetarianos que pôr carne sacrificada a ídolos na boca. Comer carne de qualquer tipo agora era pecado.
Seu principal erro era atribuir valores morais a assuntos amorais. Quem faz isso sempre procura problemas.

Os permissivos

O grupo que se opunha a eles também era mundano, mas pensava com mais clareza. Eles constataram, com razão, que comer carne era um assunto amoral. Por isso podiam analisar o problema com menos emoção. Eles tinham rejeitado a idolatria, mas, ao mesmo tempo, estando em ordem com Deus, eles não viam nada de errado em comer carne, que podia ou não ter sido sacrificada a ídolos.
Afinal, o que um ídolo era mais que um pedaço de madeira esculpido? Que diferença fazia se um novilho era morto diante de um pedaço de pedra, no campo, ou no matadouro? A carne era a mesma.
Estas pessoas comiam carne onde e quando queriam — às vezes até no templo de um ídolo. Desta maneira eles enfureciam os irmãos que ensinavam que comer carne era imoral.

Os fracos e os fortes

Em 1 Co 8-10 Paulo chama os abstinentes de fracos (8.9). No mesmo trecho ele não usa a palavra "forte". Mas eu acho que seria certo dizer que Paulo considerava o grupo oposto "forte".
Em quase todas as igrejas do mundo a gente pode encontrar cristãos fortes e fracos. Se os membros da igreja são espirituais, eles viverão em harmonia e comunhão. É assim que deve ser. Não é pecado ser fraco ou forte. O corpo de Cristo é composto dos dois.
O pecado só entra em questão quando os fracos e os fortes começam a brigar, perturbando a comunhão. Isto acontece quando a igreja é carnal, como a de Corinto. É inevitável que haja problemas, que se expressarão na forma de um monstro de duas cabeças. Os cristãos fracos julgarão os fortes e os chamarão de "mundanos".
Os cristãos fortes responderão chamando os fracos de "fanáticos". Encontramos o melhor exemplo disso em Rm 14.3, onde Paulo diz: "Quem come não despreze ao que não come; e o que não come não julgue o que come, porque Deus o acolheu".
Se faltar amor, cada grupo achará que é espiritualmente superior ao outro. Isto é um fato interessante, mas importante. A questão é esta: fraqueza ou força de um cristão (no sentido em que a mencionamos) não está relacionada diretamente com sua espiritualidade. Ela pode ser relacionada com antecedentes psicológicos, emocionais ou religiosos, às vezes até com atitudes de antes da conversão.
A conversão não faz alguém forte ou fraco. Existe cristãos fracos espirituais e mundanos. Existe cristãos fortes mundanos e espirituais. Não é o conhecimento que faz a diferença entre espiritualidade e mundanismo. É o amor. Constatamos novamente que o problema básico dos coríntios era sua falta de amor cristão.

O princípio: O amor deve controlar o conhecimento

Esta questão ética importante abrange as melhores partes dos três capítulos, 1 Co 8-10. No começo Paulo contrasta o conhecimento e o amor, ambos qualidades boas. As duas linhas correm uma ao lado da outra pelo capítulo 8. Paulo elogia o conhecimento dos cristãos fortes, que não tinham problemas com a carne sacrificada aos ídolos: "Sabemos que o ídolo de si mesmo nada é no mundo" (8.4); "Não há esse conhecimento em to¬dos" (8.7).
Em outras palavras, sua posição doutrinária estava certa. Mas isto não era suficiente.
O conhecimento do cristão, por mais certo que esteja, precisa ser temperado com o amor cristão. Paulo menciona isso na mesma passagem: "Se alguém ama a Deus esse é conhecido por ele" (8.3). Sem amor é fácil pecar "contra os irmãos, golpeando-lhes a consciência fraca" (8.12). O primeiro versículo praticamente resume tudo: "O saber ensoberbece, mas o amor edifica". O conhecimento só é útil quando controlado pelo amor.
É interessante que esta secção é dirigida para os cristãos fortes de Corinto, não para os fracos. Por quê? Creio que há duas razões: A primeira é, ao que parece, provavelmente os fortes consultaram Paulo sobre o assunto.
Mas a segunda pode ter uma importância maior. Quando há conflito entre o estilo de vida dos fortes com o dos fracos, os fortes têm de levar a maior parte da carga, em termos de se adaptar e ajustar. A quem muito é dado, muito é exigido. Seu conhecimento superior exige um amor superior.

O Concilio de Jerusalém

Um dos aspectos mais interessantes da argumentação de Paulo aqui é que ele não invoca a decisão do Concilio de Jerusalém.
O Concilio de Jerusalém foi realizado uns cinco anos antes que Paulo escreveu 1 Coríntios. No Concilio Paulo argumentou que os gentios convertidos, que aceitavam a Cristo, não preci¬savam ser circuncidados e identificar-se culturalmente com os judeus. Ele defendeu a posição de que os gentios podem continuar sendo gentios, quando se tornam cristãos.
Havia um grupo de judaizantes lutando contra ele, que diziam que só pode ser salvo quem é circuncidado conforme o ritual judaico. Eles também queriam que os convertidos gentios observassem outras leis judaicas, como não comer carne de porco e guardar todas as leis do sábado. Carne sacrificada aos ídolos era outro assunto importante para eles.
Em At 15.1-29 temos um relato do concilio. Depois de um longo debate foi decidido que os crentes gentios não precisavam ser cincuncidados. Eles podiam continuar gentios, e os judeus não deveriam "perturbar aqueles que, dentre os gentios, se convertem a Deus" (At 15.19). O Concilio, no entanto, acrescentou algumas cláusulas éticas que incluíam "abster-se das coisas sacrificadas a ídolos" (At 15.29).
Muitos estudiosos da Bíblia têm-se perguntado: Já que surgiu o problema com a carne sacrificada a ídolos em Corinto, por que Paulo não encerrou a discussão simplesmente citando o Concilio de Jerusalém, em vez de escrever três capítulos inteiros sobre o assunto?
A evidência indica que Paulo pode ter estado contente por vencer a discussão sobre a circuncisão cinco anos antes, em Jerusalém, mas não com as outras cláusulas que foram acrescen¬tadas. Parece que ele achava que a afirmação "Abstenham-se das coisas sacrificadas a ídolos" era uma tentativa muito superficial de resolver um assunto ético tão complexo. Para os judeus em Jerusalém pode ter sido o suficiente, mas não era adequado para os cristãos gentios em Corinto e em outros lugares.
Para Paulo, comer carne sacrificada a ídolos era um assunto amoral: "Não é a comida que nos recomendará a Deus, pois nada perderemos se não comermos, e nada ganharemos se comermos" (1 Co 8.8). Isto contrasta com a conclusão do Concilio de Jerusalém, que considerou comer carne sacrificada a ídolos imoral,e não amoral. Por isso Paulo não podia desfazer-se do problema com uma ou duas frases de Jerusalém. Ele tinha de se aprofundar mais no assunto.

A vantagem de ser forte

Se os cristãos fortes de Corinto estivessem vivendo sozinhos em alguma ilha deserta, eles poderiam comer quanta carne quisessem, sem ficarem menos espirituais por este fato. Mas isto não é tão simples quando a gente vive em uma comunidade cristã com outros que às vezes não concordam totalmente com a gente.
Quando cristãos mais fracos estão na mesma igreja (o que geralmente é o caso), isto precisa moderar e guiar o conhecimento superior que os cristãos mais fortes têm. Eles não podem somen¬te pensar em sua posição. Eles também precisam ter cuidado para não ofender os cristãos mais fracos ou ser uma pedra de tropeço para eles, porque "há pessoas tão acostumadas com os ídolos, que até agora, quando comem, ainda pensam que aquela comida pertence aos ídolos" (1 Co 8.7). É irrelevante se ela é mesmo ou não. Para sua consciência ela é contaminada.
De forma que, se as ações e atitudes dos cristãos mais fortes levam os mais fracos a comer o que eles acham que não deveriam, "perece o irmão fraco, pelo qual Cristo morreu, por causa do teu saber" (1 Co 8.11). Se isto acontecer, todos pecaram, também os fortes. Uma situação destas seria um caso clássico de conhecimento não dominado direito pelo amor cristão.
Paulo se identifica com o grupo forte, porque para ele o assunto é amoral, e faz uma conclusão citando sua própria regra de vida: "Por isso, se a comida serve de escândalo a meu irmão, nunca mais comerei carne, para que não venha a escandalizá-lo" (1 Co 8.13).
Veremos mais adiante que os cristãos não precisam se submeter a todas as convicções absurdas que algumas pessoas têm. Mas é uma norma válida e útil de comportamento cristão.

Paulo e Israel

Nos capítulos 9 e 10 encontramos duas ilustrações deste princípio: uma positiva (o próprio Paulo) e outra negativa (Israel). Vamos olhar mais de perto.
Paulo começa dizendo que ele tem certos direitos que poderia ter usado, se quisesse. Mas não o fez, para bem dos resultados do seu ministério. Por exemplo: Ele poderia ter casado. "Não temos nós o direito... de fazer-nos acompanhar de uma mulher irmã, como fazem os demais apóstolos, e os irmãos do Senhor, e Cefas?" (1 Co 9.5).
Ele poderia ter cobrado pagamento por seu serviço: "Será que Barnabé e eu somos os únicos que temos de trabalhar para o nosso próprio sustento? Quem já ouviu falar de um soldado que pagou as suas próprias despesas no exército?" (1 Co 9.6,7, BLH). E ele acrescenta: "Se nós vos semeamos as coisas espirituais, será muito recolhermos de vós bens materiais?" (9.11).
Não importa se casar ou cobrar pela pregação são assuntos amorais, como comer carne sacrificada a ídolos. Paulo renun¬ciou a eles voluntariamente, "para não criarmos qualquer obstáculos ao evangelho de Cristo" (1 Co 9.12). Ele amava os cristãos mais fracos e não queria ofendê-los, na menor coisa que fosse. A coisa mais importante para ele era fazer a obra de Deus da melhor maneira possível. E se isto implicava em esquecer de alguns direitos, ele estava mais que disposto a fazê-lo.
Paulo era uma pessoa muito flexível. Ele estava totalmente dedicado à sua missão, e era uma pessoa prática. Sua tarefa era "ganhar o maior número possível" (1 Co 9.19), e ele se adaptava a qualquer situação para consegui-lo. Quando estava em uma comunidade de judeus, ele se enquadrava na Lei judaica: "Procedi, para com os judeus, como judeu, a fim de ganhar os judeus" (9.20). Isto queria dizer abster-se de carne de porco e carne sacrificada a ídolos, e recomendar aos pais que circuncidassem seus filhos homens. Isto era natural para Paulo. Encaixava-se em seu próprio passado.
Mas o ministério de Paulo era muito mais amplo. Deus o tinha chamado para ser apóstolo aos gentios. Quando estava entre estes, não se comportava como judeu: "Quando estou entre os que não são judeus, vivo fora da Lei de Moisés, a fim de ganhar os não-judeus" (1 Co 9.21, BLH). Isto implicava em comer carne de porco e carne sacrificada a ídolos (não sempre, como veremos daqui a pouco), e em não mandar os pais circuncidarem seus filhos homens.
Por que Paulo agia assim? Ele chega a repetir sua lição quatro vezes nestes quatro versículos: "Com o fim de, por todos os modos, salvar alguns" (1 Co 9.22). Sua preocupação principal era evangelizar com eficiência. Ele estava disposto a dispor de seus direitos e se ajustar à maneira de viver das pessoas, se isto o ajudava a evangelizar melhor.
A segunda ilustração de Paulo nesta passagem menciona as andanças do povo de Israel pelo deserto. Eles eram o povo esco¬lhido de Deus. Eles eram como alguns cristãos fortes do nosso tempo, porque tinham algum conhecimento. Mas Israel caiu em uma armadilha em que muitos cristãos fortes caem. Paulo diz que "estas coisas lhes sobrevieram... para advertência nossa" (1 Co 10.11). O problema deles foi que sua atitude liberal em assuntos amorais foi longe demais e incluiu alguns assuntos imorais.
Israel gozou de todas as vantagens de estar "sob (a proteção) da nuvem", "passaram (com segurança) pelo mar (Vermelho)", "tendo sido batizados... com respeito a Moisés", "comeram de um só manjar espiritual" e "beberam da mesma fonte espiritual, ... que os seguia. E a pedra era Cristo" (1 Co 10.1-4).
Mas estas vantagens espirituais não evitaram que o povo de Israel pecasse. Adoraram ídolos e fizeram uma festa que virou uma orgia de bebida e sexo (1 Co 10.7).
"Aquele, pois, que pensa estar em pé, veja que não caia" (1 Co 10.12). Isto é uma palavra de advertência para cristãos fortes. Os cristãos fortes de Corinto precisavam dela para serem preparados para as instruções de Paulo quanto à carne sacrificada a ídolos.

Aplicações práticas

Agora Paulo passa dos princípios éticos para sua aplicação prática no problema específico dos coríntios. Enquanto a analisamos, tenha em mente que o mesmo tipo de decisão que Paulo toma em relação à carne sacrificada a ídolos também se aplica aos nossos problemas, apesar de os detalhes serem outros, o que é óbvio.
Paulo tem uma aplicação prática diferente para cada lugar em que os coríntios podiam obter e comer carne sacrificada a ídolos: os templos dos ídolos, o mercado público, e casas de amigos.

Quando comer e quando não

A primeira situação que tentava os coríntios a comer carne sacrificada a ídolos era nos templos dos ídolos. Aqui Paulo põe seu pé na porta. Ele diz que comer carne diretamente na frente do ídolo é ir longe demais. Se o cristão participa de uma festa na presença do ídolo (mesmo sabendo que este é só um pedaço de pedra), ele passou a linha que separa uma ação amoral (comer carne) de um pecado (idolatria). "Digo que as coisas que eles sa¬crificam, é a demônios que as sacrificam, e não a Deus; não podeis ser participantes da mesa do Senhor e da mesa dos demônios" (1 Co 10.20,21).
Preste atenção ao que aconteceu aqui. Comer carne sacrificada a ídolos, uma coisa amoral para Paulo, se torna imoral no templo. Isto, então, seria uma situação em que é proibido para todos os cristãos, fracos e fortes, comer carne sacrificada a ído¬los.
A situação oposta é comprar carne no mercado público. Havia carne sacrificada a ídolos nos ganchos do açougueiro, que não fora consumida numa festa, e havia carne não sacrificada. A aparência era a mesma. Os cristãos fracos diziam que não se devia comprar carne em nenhuma circunstância, porque sempre havia a possibilidade de receber carne sacrificada a ídolos.
Na opinião de Paulo estes estavam levando seus escrúpulos longe demais. Estando no mercado, o simbolismo religioso da carne não tinha mais importância. Paulo diz: "Comei de tudo o que se vende no mercado, sem nada perguntardes por motivo de consciência" (1 Co 10.25). Não deve mais haver dúvidas sobre este assunto. Carne no mercado público é totalmente amoral. Cristãos fracos deveriam parar de dizer que ela era imoral.
A terceira situação, a de comer carne na casa de um amigo, é a mais complexa. Carne no templo de um ídolo? Não! Carne no mercado? Sim! Mas — e carne na casa de um amigo? Sim e não!
Em primeiro lugar, Paulo diz que se você é convidado à casa de um amigo não cristão, primeiro você precisa decidir se vai ou não. Não se trata de um assunto ético. Se quiser, pode ir. No capítulo 5 Paulo tinha recomendado ter contato com incrédulos (1 Co 5.9-10). Digamos que você tenha ido. Será que pode comer a carne servida?
Se ninguém diz que a carne foi sacrificada a ídolos, coma à vontade, "sem nada perguntardes por motivo de consciência" (1 Co 10.27), é o conselho de Paulo. Mas ele acrescenta: "Porém, se alguém vos disser: Isto é coisa sacrificada a ídolo, não comais" (1 Co 10.28).
A razão disto é clara. Para você a carne é amoral. Mas ela se torna imoral assim que alguém, crente ou descrente, a associa com um ídolo. Sem dúvida comer carne é uma atividade social. Com as perguntas, ela se torna uma atividade religiosa.
A carne não muda, mas seu significado muda. A esta altura, é melhor deixar de comer. O amor cristão tem precedência sobre o conhecimento cristão. Não comendo você demonstra amor para os descrentes presentes e para os irmãos e irmãs fracos.

A ética é relativa?

Nem todos os assuntos de ética cristã são relativos. A Bíblia ensina muitos princípios éticos absolutos. Transgredi-los é sempre errado, em qualquer lugar. Certas práticas são imorais, e ponto final. O cristão deve evitá-las. O homem que dormia com sua madrasta, mencionado em 1 Co 5, é um exemplo. Não existe nenhuma situação em que adultério não seja pecado. A mesma coisa vale para assassinato, homossexualismo e bebedice.
Mas também existem muitas áreas duvidosas, em que assuntos morais da ética são mesmo relativos. Depende da situação. Missionários sabem de como o comportamento às vezes precisa mudar quando a situação muda.
Por exemplo: sentar com as pernas cruzadas para a maioria de nós é um assunto amoral. Na Tailândia, entretanto, é imoral. O povo tai atribui uma grande honra à cabeça humana. Por isso, um pé apontado para a cabeça de alguém é um grande insulto. E cristãos ocidentais com sensibilidade irão sentar-se com a planta dos pés no chão na Tailândia. Quando voltarem ao seu país podem novamente dobrar as pernas como quiserem.
Não é necessário negar, ou explicar mais, que muitas decisões sobre ética cristã dependem das circunstâncias.
Quem quiser questionar isto precisa estudar com cuidado a questão da carne sacrificada a ídolos em Corinto. Como vimos, é errado em algumas situações e certo em outras. Mesmo no mercado nem todos os cristãos podiam comprar e comer carne, apesar de Paulo concluir que isto era um assunto amoral.
Isto acontecia com muitos judeus crentes, que ainda mantinham uma cozinha estritamente "kosher". Sua consciência não lhes permitia comprar carne no mercado, e eles precisavam obedecer sua.consciência. Mas também não podiam obrigar os outros crentes a aceitar suas decisões éticas.
Hoje em dia é muito comum encontrar pontos de vista éticos tão diferentes na mesma igreja. E nestes casos o amor cristão precisa reinar acima de tudo. Os coríntios tiveram problemas sérios porque não souberam como lidar com estas diferenças de opinião e de perspectiva. Nenhum grupo respeitou os sentimentos do outro, nem os fortes, nem os fracos.
Para ilustrar: Eu tenho muitos amigos (a maior parte pastores) que são adventistas do sétimo dia. Muitos são vegetarianos. Não tomam nem café nem chá. Não fumam. Quanto a isto não temos problemas porque eu também não fumo. Mas eu como carne. É às vezes tomo café e chá. Estes estilos de vida diferentes não prejudicaram nosso relacionamento em todos estes anos, porque respeitamos um a consciência do outro.
Quando faço seminários eu ponho no programa pausas para café. Mas, quando há adventistas presentes, eu providencio suco de laranja para eles. Quando convido um grupo misto de pastores para almoçar no restaurante do seminário, que serve carne, eu como carne, e os adventistas não. Se, por outro lado, eu sou convidado para almoçar por um grupo de adventistas do sétimo dia, jamais eu peço carne ou tomo café. Isto não é hipocrisia; é um comportamento baseado numa aplicação bíblica do amor cristão.

Pode-se ir ao cinema?

Alguns cristãos levantam esta questão hoje em dia. Nestes 30 anos em que eu sou cristão eu vi uma mudança grande ocorrer na maneira em que esta pergunta ética é feita.
Há trinta anos, antes de existir televisão, a pergunta era de se ir ao cinema, em geral, era amoral ou imoral. Muitos amigos meus pensavam que era imoral. Qualquer pessoa que fosse às escondidas assistir Branca de Neve e os Sete Anões ou um filme do Gordo e do Magro, o faria com muito receio e às vezes até com sentimento de culpa.
Hoje em dia, porém, bem poucos dos meus amigos cristãos acham que ir ao cinema em si é imoral. A tendência é classificá-lo como amoral. O cinema é considerado nada mais que um meio de comunicação, assim como livros, jornais, rádio e quadros de avisos. Chega-se à conclusão que ir ao cinema hoje em dia é muito parecido como comer carne sacrificada a ídolos em Corinto. Em si o assunto é amoral. Mas em alguns casos pode se tornar imoral. É nestes casos que alguns cristãos se insurgem contra decisões éticas.
Nossa igreja usa filmes para instrução e inspiração. Mesmo fora da igreja, não consigo pensar em nenhum amigo meu que teria objeções a alguém ver Branca de Neve ou A Noviça Rebelde, num cinema público. Agora que temos censura, a maior parte dos meus amigos concorda que filmes de censura livre são amorais, bem como filmes cristãos distribuídos por empresas especializadas.
Na outra ponta, eu não tenho nenhum amigo cristão (que eu saiba) que aprove filmes com censura 18 anos. Na minha igreja a pornografia é considerada pecado. É como comer carne sacrifi¬cada a ídolos no templo. É imoral por natureza.
Existem muitos filmes entre a censura livre e a censura 18 anos. Muitos cristãos dizem que estes também não prestam. Ou¬tros têm outras opiniões. Esta é uma das áreas difíceis e delicadas onde provavelmente há lugar para mais de uma opinião cristã, e onde amor e respeito mútuos se fazem necessários. Em todo caso, se assistir a qualquer filme fizer meu irmão ou irmã tropeçar, eu deixaria de ir, assim como Paulo deixou de comer carne em certas situações.
A lista de assuntos duvidosos ou amorais nas nossas igrejas é longa. Alguns itens nos afetam mais que outros, dependendo de onde vivemos e a que igreja pertencemos. Mas os princípios propostos por Paulo nestes capítulos nos servirão de guia em qualquer situação. Vale a pena assimilá-los e aplicá-los em cada caso. Veremos cada vez mais que a igreja de Corinto de quase dois mil anos atrás era mesmo como uma igreja atual.

Perguntas para debate
1) Explique como Paulo conseguiu ensinar sem ser contraditório que às vezes a gente pode comer carne e às vezes a gente não pode comer a mesma carne.
2) Defina o que são cristãos fortes e cristãos fracos. Dê exemplos dos dois tipos, de pessoas que você conhece (sem mencio¬nar nomes). Ser fraco ou forte é sinal de espiritualidade? Se precisar de mais informações, leia Rm 14.
3) Faça uma lista dos assuntos éticos sobre os quais os cristãos da sua região parecem ter dúvidas — que não são, nem totalmente errados nem totalmente certos. Depois tente enquadrar cada item de alguma forma neste esboço:
a) Como carne do mercado — faça-o sem se preocupar, mas também sem fazer barulho.
b) Como carne no templo do ídolo - nunca o faça.
c) Como carne servida na casa de um amigo:
1) Em algumas circunstâncias, vá em frente;
2) Em outras circunstâncias determinadas, deixe de fazê-lo.
3) Pense em outras culturas em seu país ou em outros países onde a posição cristã quanto a assuntos éticos semelhantes poderia ser diferente.

PETER WAGNER
Extraído do Livro "Se Não Tiver Amor" Cap. 6 - Ed. Luz e Vida

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