"Deus pode fazer-vos abundar em toda graça, a fim de que, tendo sempre, em tudo, ampla suficiência, superabundeis em toda boa obra." 2 Coríntios 9.8
Conheço um pastor que estava realizando uma série de conferências em várias igrejas nos Estados de Carolina do Norte e Carolina do Sul. Ele estava hospedado na casa de amigos em Asheville e viajava todas as noites para pregar.
Certa noite, ele deveria falar em uma igreja em Greenville, Carolina do Sul, que está a várias horas de Asheville. Visto que não possuía carro, alguns amigos de Greenville ofereceram-se para buscá-lo e, depois, levá-lo de volta. Quando estes apareceram para apanhá-lo, ele se despediu de seus hospedeiros, avisando que retornaria por volta da meia-noite ou um pouco depois.
Após ministrar na igreja de Greenville, permaneceu por algum tempo desfrutando de comunhão e, por fim, retornou a Asheville. Aproximando-se da casa, reparou que a luz da porta da frente estava acesa; por isso pressupôs que seus anfitriões estariam à sua espera, pois haviam conversado sobre a hora de seu retorno. Ao descer do carro, despediu-se de quem o trouxera e disse: Apresse-se, sua viagem de volta é longa. Estou certo que estão me esperando; não terei qualquer problema.
Caminhando em direção à casa, sentiu o forte frio da noite de inverno. Ao se aproximar da porta, seu nariz e suas orelhas já estavam dormentes. Ele gentilmente bateu à porta, mas ninguém atendeu. Bateu mais forte, e mais forte ainda, mas nada de resposta. Finalmente, preocupado com o intenso frio, deu a volta e bateu à porta da cozinha e na janela lateral. Mas o silêncio continuou absoluto.
Frustrado e ficando a cada instante mais gelado, resolveu bater à porta de um vizinho para tentar telefonar ao seu anfitrião. No caminho, raciocinou que bater à porta de um estranho após a meia-noite era ariscado para fazer, então resolveu achar um telefone público. Estava escuro e o frio era intenso. Por não conhecer os arredores ele acabou caminhando por vários quilômetros. A certa altura, ele escorregou na grama molhada ao lado da estrada e, deslizando numa ribanceira, caiu dentro de meio metro de água. Ensopado e quase congelado, ele subiu rastejando a ribanceira e continuou caminhando até vislumbrar o luminoso letreiro de um hotel. Acordou o gerente, que gentilmente lhe cedeu o telefone.
O pastor, enlameado, telefonou e disse ao seu sonolento anfitrião: "Sinto acordá-lo, mas não consegui que ninguém atendesse quando bati à porta. Estou a vários quilômetros de sua casa, estrada abaixo, aqui no hotel. O irmão poderia vir me buscar?"
Ao que o anfitrião respondeu: "Meu querido irmão, há uma chave da porta da frente no bolso de seu paletó. O irmão esqueceu? Eu a dei ao irmão quando saía de casa".
Então, o pastor colocou a mão no bolso, e lá estava a chave.
Essa história verdadeira ilustra bem a embaraçosa situação dos cristãos que procuram obter as bênçãos divinas por meios humanos, enquanto — o tempo todo — possuem Cristo, que é a chave para todo tipo de bênção espiritual. Ele, por Si só, preenche os anelos mais profundos de nossos corações e supre todos os recursos espirituais que necessitamos.
Os crentes têm em Cristo tudo que precisam para enfrentar qualquer provação, qualquer tentação, qualquer dificuldade com as quais possam se deparar nesta vida. Mesmo o recém-convertido possui recursos suficientes para cada necessidade espiritual que possa ter. A partir do momento da salvação, cada crente está em Cristo (2 Co 5.17), e Cristo está no crente (Cl 1.27). O Espírito Santo habita no crente (Rm 8.9), e o crente é o santuário do Espírito Santo (1 Co 6.19). "Porque todos nós temos recebido da sua plenitude e graça sobre graça" (Jo 1.16). Portanto, cada cristão é um depósito de riquezas espirituais divinamente outorgadas. Nenhuma outra coisa — nenhum grande segredo transcendental, nenhuma experiência de êxtase, nenhuma sabedoria espiritual oculta — pode levar o crente a um mais elevado nível de vida espiritual. “Visto como, pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as cousas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude" (2 Pe 1.3 - ênfase minha). O "conhecimento completo daquele que nos chamou” refere-se ao conhecimento salvífico. Buscar algo mais é como bater freneticamente numa porta, à procura do que está lá dentro, sem perceber que você tem uma chave em seu bolso.
Satanás tem procurado sempre enganar os cristãos, conduzindo-os para longe da pureza e da simplicidade encontradas em Cristo, que é todo-suficiente (2 Co 11.3), e sempre tem encontrado pessoas dispostas a renegar a verdade em troca de praticamente qualquer coisa nova e incomum.
A Invasão do Gnosticismo na Igreja Primitiva
Uma das primeiras negações quanto à suficiência de Cristo foi o gnosticismo, uma seita que floresceu nos primeiros quatro séculos da história da igreja. Muitos escritos pseudobíblicos, incluindo o Evangelho Segundo Tomé, o Evangelho de Maria, o Apócrifo de João, a Sabedoria de Jesus Cristo e o Evangelho Segundo Felipe, foram obras gnósticas.
Os gnósticos criam que a matéria é má e que o espírito é bom. Eles inventaram explicações heréticas acerca de como Cristo podia ser Deus (espírito puro, imaculado) e ainda assim encarnar (a carne era vista pelos gnósticos como uma substância material totalmente má). Os gnósticos ensinavam que há uma faísca de divindade dentro dos seres humanos e que a essência da espiritualidade está em nutrir esse lado imaterial e em negar os impulsos materiais e físicos. Eles criam que a principal forma de se liberar o elemento divino contido numa pessoa seria através do alcançar a iluminação intelectual e espiritual.
Os gnósticos, portanto, criam que possuíam um nível de conhecimento espiritual mais elevado do que o crente comum e que esse conhecimento secreto era a chave para a iluminação espiritual. Aliás, a palavra grega gnosis significa "conhecimento". A heresia gnóstica levou muitos na igreja a buscarem um conhecimento oculto, além do que Deus havia revelado em sua Palavra e através de seu Filho.
O gnosticismo era, pois, algo elitizado, um movimento exclusivista que desdenhava os cristãos bíblicos "não-iluminados" e "simplistas", por sua ingenuidade e por sua falta de sofisticação. Infelizmente, muitas igrejas foram enganadas por essas idéias e se afastaram de sua exclusiva confiança em Cristo.
O gnosticismo foi um ataque desferido contra a suficiência de Cristo. Ele promovia a falsa promessa de algo mais, algo mais elevado ou um recurso espiritual mais completo, quando a verdade é que Cristo é tudo o que alguém necessita.
A maioria das epístolas do Novo Testamento confronta, de modo evidente, as incipientes formas do gnosticismo. Em Colossenses, por exemplo, o apóstolo Paulo estava atacando conceitos gnósticos quando escreveu a respeito de "toda a riqueza da forte convicção do entendimento, para compreenderem plenamente o mistério de Deus, Cristo, em quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos" (Cl 2.2,3). Ele preveniu os crentes contra a metodologia procedente desta heresia: "Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo; porquanto, nele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade. Também nele estais aperfeiçoados. Ele é o cabeça de todo principado e potestade" (Cl 2.8-10 - veja uma abordagem mais ampla no capítulo 8).
O Ataque Neognóstico à Igreja Contemporânea
O gnosticismo, na realidade, nunca morreu. Traços de influência gnóstica têm infectado a igreja através de sua história. Atualmente, uma tendência neognóstica de se buscar conhecimento oculto vem ganhando uma nova influência e trazendo consigo resultados desanimadores.
Em ambientes onde são toleradas a doutrina imprecisa e uma negligente exegese bíblica, onde definham tanto o discernimento quanto a sabedoria bíblica, as pessoas tendem a procurar algo mais que a simples suficiência que Deus providenciou em Cristo. Hoje, como nunca antes, a igreja tem se tornado negligente e atordoada quanto à verdade bíblica, e isso tem conduzido a uma busca sem precedentes pelo conhecimento oculto. Isso é neognosticismo, e três de seus traços principais, presentes hoje na igreja, indicam que ele está ganhando ímpeto: a psicologia, o pragmatismo e o misticismo.
Psicologia
Nada define melhor o neognosticismo do que a fascinação da igreja pela psicologia humanista. A integração da moderna teoria behaviorista na igreja tem criado uma atmosfera na qual o aconselhamento bíblico tradicional é visto como simples, ingênuo e até mesmo tolo. Os neognósticos pretendem nos levar a crer que compartilhar as Escrituras e orar com alguém que está com suas emoções profundamente feridas é algo muito superficial. Somente os que são especialistas em psicologia — os que possuem conhecimento secreto — estão devidamente qualificados para ajudar pessoas com problemas espirituais e emocionais profundos. A aceitação dessa atitude está conduzindo milhões ao erro e está aleijando o ministério da igreja.
A palavra psicologia, em si, é boa. Seu significado literal é "o estudo da alma". E como tal, ela originalmente carregava uma conotação que tem implicações distintamente cristãs, pois somente alguém que se tornou perfeito em Cristo está adequadamente equipado para estudar a alma humana. Mas a psicologia não consegue, na realidade, estudar a alma humana; ela está limitada a estudar o comportamento humano. E reconhecemos haver valor nisso, mas é preciso se fazer uma clara distinção entre a contribuição que estudos behavioristas podem fazer às necessidades educacionais, industriais e físicas de uma sociedade e a capacidade de tais estudos satisfazerem às necessidades espirituais das pessoas. Buscar soluções que não estejam alicerçadas na Palavra e na orientação do Espírito de Deus jamais resolve qualquer problema da alma humana. Só Deus conhece a alma, e somente Ele pode mudá-la. Ainda mais, as idéias largamente difundidas pela psicologia moderna são teorias desenvolvidas por ateus, estribadas na suposição de que não há Deus e de que o indivíduo, por si só, tem o poder de mudar a si mesmo, transformando-se numa pessoa melhor, desde que aplique certas técnicas.
Surpreendemente, a igreja tem abraçado muitas das teorias populares da psicologia secular, e o impacto disto, nos últimos anos, tem sido revolucionário. Muitos na igreja crêem na noção ateísta de que os "problemas psicológicos" das pessoas são sofrimentos que nada têm a ver com a esfera física ou espiritual. "Psicólogos cristãos" têm se tornado os novos campeões do aconselhamento nas igrejas. Em nossos dias, eles são festejados como os que verdadeiramente curam o coração humano. Os pastores e leigos são levados a crer que, a menos que tenham passado por um treinamento formal em técnicas psicológicas, estão mal equipados para aconselhar.
E a evidente mensagem dada por tal atitude é que apenas mostrar aos crentes a suficiência que há em Cristo é algo vazio e, quem sabe, até perigoso. Mas, pelo contrário, é vazio e perigoso crer que qualquer problema está além do alcance das Escrituras e que não possa ser resolvido pelas riquezas espirituais existentes em Crista
Pragmatismo
O fim justifica os meios? Mais do que nunca, a resposta dos evangélicos tem sido "sim". As igrejas, em seu zelo para atrair incrédulos, estão incorporando virtualmente todo tipo de entretenimento.
A igreja primitiva reunia-se para adorar, orar, ter comunhão e ser edificada — e separava-se para evangelizar os incrédulos. Muitos hoje crêem que, em lugar disso, as reuniões da igreja deveriam entreter os incrédulos, de forma a gerar uma experiência que torne Cristo mais "apetecível" para eles. Cada vez mais, as igrejas estão trocando a pregação da Palavra por dramatizações, shows variados e coisas semelhantes. Algumas igrejas têm relegado o estudo da Bíblia aos cultos do meio da semana; outras o abandonaram por completo. Aqueles que possuem acesso ao referido conhecimento secreto nos dirão que a pregação bíblica, por si, não tem como ser relevante. Afirmam que a igreja precisa adotar novos métodos e programas inovadores, a fim de agarrar as pessoas no nível em que elas se encontram.
Esse tipo de pragmatismo vem rapidamente substituindo o sobrenaturalismo em muitas igrejas. Trata-se de uma tentativa de se alcançar objetivos espirituais através da metodologia humana e não por meio do poder sobrenatural. O critério primário deste pragmatismo é o sucesso exterior. Tal pragmatismo emprega qualquer método que atraia uma multidão e estimule a reação desejada. As pressuposições de tal pragmatismo são de que a igreja pode atingir alvos espirituais através de meios carnais e que o poder da Palavra de Deus, por si só, não é suficiente para acabar com a cegueira e a dureza de coração do pecador.
Ao afirmar isso não creio que esteja indo longe demais. A onda de pragmatismo que assola a igreja de nossos dias parece estar fundamentada na concepção de que técnicas artificiais e estratégias humanas são cruciais para a missão da igreja hoje. Muitos parecem crer que, se nossa programação tiver bastante atrativos e nossa pregação for suficientemente persuasiva, então conseguiremos capturar as pessoas para Cristo e para a igreja. Por isso, torcem a sua filosofia a respeito do ministério para encaixar as técnicas que mais parecem satisfazer os incrédulos.
Misticismo
Misticismo é a crença de que a realidade espiritual é perceptível fora da esfera do intelecto humano e dos sentidos naturais. Ele busca a verdade internamente, valorizando os sentimentos, a intuição, e outras sensações interiores, mais do que os dados externos, objetivos e observáveis. O misticismo, em última análise, fundamenta sua autoridade em uma luz auto-autenticada e auto-efetivada, vinda do interior da pessoa. Sua fonte de verdade é o sentimento espontâneo e não o fato objetivo. As formas mais complexas e extremas de misticismo são encontradas no hinduísmo e em seu reflexo ocidental, a filosofia da Nova Era.Assim, um misticismo irracional e anti-intelectual, que é a antítese da teologia cristã, tem se infiltrado na igreja. Em muitos casos, os sentimentos individuais e a experiência pessoal têm tomado o lugar da sã interpretação bíblica. A questão "o que a Bíblia significa para mim? tem se tornado mais importante do que "o que a Bíblia significa?."
Trata-se de uma abordagem das Escrituras que é terrivelmente imprudente. Ela mina a integridade e a autoridade bíblicas, sugerindo que a experiência pessoal deve ser buscada mais do que uma compreensão das Escrituras. Com freqüência, ela considera a "revelação" particular e as opiniões pessoais iguais à verdade eterna da inspirada Palavra de Deus. Portanto, deixa de honrar a Deus e, em lugar disso, exalta o homem. E, o pior de tudo, pode — e geralmente o faz — levar à horrenda ilusão de que o erro é a verdade.
Exageradas formas de misticismo têm florescido em décadas recentes, oferecidas por fornecedores que fazem da mídia religiosa a sua plataforma. Os shows televisados, apresentando bate-papos, têm sido vitrines de quase todas as extravagantes interpretações teológicas que podemos imaginar, feitas por pessoas descuidadas e sem instrução — indo desde os que reivindicam terem viajado para o céu, e voltado, até os que enganam seus telespectadores com novas verdades, supostamente reveladas por Deus a eles, em secreto. Esse tipo de misticismo tem produzido várias aberrações, incluindo o movimento de sinais e maravilhas e um falso evangelho, que promete saúde, riqueza e prosperidade. Trata-se de mais uma evidência de que o avivamento gnóstico está assolando a igreja e minando a fé na suficiência de Cristo.
Diante do tamanho da igreja contemporânea, o neo-gnosticismo de hoje constitui uma ameaça de muito maior alcance que seu predecessor do primeiro século. Além do mais, os líderes da igreja primitiva estavam unidos em oposição à heresia gnóstica. Infelizmente, isto não acontece em nossos dias.
O que pode ser feito? Ao apontar a suficiência de Cristo Paulo confrontou o gnosticismo (Cl 2.10). Ainda hoje, essa continua sendo a resposta.
Fonte: "Nossa Suficiência em Cristo" - Ed. Fiel - Pags.17-26
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