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sábado, 4 de abril de 2009

O “Evangelho Segundo os Santos Evangélicos” - Juan Carlos Ortiz


Por que me chamais, Senhor, Senhor, e não fazeis o que eu vos mando? (Lc 6.46.)

Na língua espanhola ocorre um fato curioso com a palavra Senhor. Utilizamos este vocábulo com um sentido vocativo, colocando-o adiante do nome das pessoas. Dizemos: Sr. Smith, Sr. William, e Senhor Jesus.

Em conseqüência disto, em espanhol, o conceito que temos deste termo é muito amplo. Quando chamamos a Jesus de Senhor, isto realmente não tem um significado muito forte para nós.

Mas quando entrei em contato com pessoas de fala inglesa, descobri que elas têm o mesmo problema, apesar de contarem com duas palavras distintas para os dois usos: mister e lord. Talvez seja porque a palavra lord se aplica também aos lordes da Inglaterra, alguns dos quais não têm sido lá muito dignos de admiração.

A palavra senhor não tem hoje o mesmo significado de quando Jesus se achava na terra. Naquela época, ela significava autoridade máxima, o número um, o homem que estava acima de todos os outros, o dono de toda a criação. O vocábulo grego kurios (que significa senhor) com inicial minúscula era usado pelos escravos ao se dirigirem a seus amos. A mesma palavra, com inicial maiúscula, era aplicada a apenas uma pessoa em todo o Império Romano — a César. O césar romano era o Senhor. Em verdade, quando os funcionários públicos ou soldados se encontravam na rua, tinham que saudar uns aos outros com as palavras: “César é o Senhor!” E a resposta invariavelmente era: “Sim; César é o Senhor!”

Por isso, os cristãos tiveram que enfrentar um grande problema. Sempre que alguém os saudava com estas palavras: “César é o Senhor!”, eles respondiam: “Não; Jesus Cristo é o Senhor.” Em pouco tempo, tal prática começou a causar-lhes dificuldades. Não que César tivesse ciúmes do nome. A questão era bem mais profunda que isto. A verdade é que César sabia que o que os cristãos diziam na realidade, é que eles estavam sujeitos a um outro tipo de autoridade, e que na balança de suas vidas, Jesus Cristo pesava mais que César.

O que eles diziam realmente era: “César, você pode contar conosco em algumas situações, mas se somos forçados a fazer uma escolha, preferiremos a Jesus, porque já entregamos toda a nossa vida a ele. Ele é a pessoa mais importante para nós. Ele é o Senhor, nossa autoridade máxima.”

Não é de se admirar que César perseguisse os cristãos.

O evangelho que encontramos na Bíblia é o evangelho do Reino de Deus. Ele apresenta Jesus como o Rei, como o Senhor, como a autoridade máxima. Jesus se encontra no centro do evangelho. O evangelho do Reino é cristocêntrico.

Nos séculos mais recentes, porém, temos ouvido falar de um outro evangelho — um evangelho cujo centro é o homem, um evangelho humano. É o evangelho da oferta tentadora; o evangelho da venda fácil; o evangelho do negócio vantajoso que ninguém pode recusar. Os pregadores dizem: “Amigos, se aceitarem Jesus...” (E aqui já encontramos um erro, pois é Jesus quem nos aceita, e não nós a ele. Mas nós colocamos o homem no lugar de Jesus, e agora o homem é a figura mais importante.)

Os evangelistas dizem: “Jesus está batendo à porta do seu coração. Por favor, abram a porta! Não vêem que ele está lá fora, de pé, ao frio e ao vento? Coitado de Jesus! Abram a porta para ele.” Não é de se espantar que o ouvinte pense que está fazendo um grande favor ao Senhor, ao tornar-se cristão.

Costumamos dizer às pessoas: “Se vocês aceitarem a Jesus, vocês terão alegria, paz, saúde, prosperidade... Se derem a Jesus cem reais, receberão de volta duzentos reais.” Estamos sempre apelando para os interesses humanos. Jesus é o Salvador, a cura para nosso corpo, é o Rei que virá para mim. Este mim é o centro de nosso evangelho.

Nossas reuniões são centralizadas no homem. O arranjo do mobiliário, as cadeiras, o púlpito — tudo aponta para o homem. Quando o pastor prepara o programa de culto, ele não pensa em Deus, mas apenas em seus ouvintes. “No primeiro hino a congregação fica de pé; no segundo, ficará assentada, para que as pessoas não se cansem. Em seguida, teremos um dueto para modificar um pouco a atmosfera; depois faremos outra coisa. E o culto não deve passar de uma hora para que o povo não se fatigue.” Onde é que está Jesus, o Senhor?

A letra de nossos hinos segue na mesma linha. “Conta as bênçãos!” “Cristo é meu!” “Estou feliz com Jesus!” Nossas orações também se centralizam no homem. “Senhor, abençoa meu lar, meu marido; abençoa meu gato, meu cachorro, por amor de Cristo, amém!" Esta petição nunca foi por amor de Cristo. É por amor a nós! É certo que muitas vezes empregamos as palavras corretas, mas com a atitude errada. Enganamos a nós mesmos.

Nosso evangelho é como a lâmpada de Aladim; pensamos que podemos esfregá-lo e obter tudo que quisermos. Não é de admirar que Karl Marx tenha dito que a religião é o “ópio das massas”. Talvez ele tivesse razão; ele não era nenhum tolo. Ele sabia que o evangelho, para muitas pessoas, era apenas uma fuga.

Mas Jesus Cristo não é ópio. Ele é Senhor. Quando ele se dirige a nós na qualidade de Senhor, temos que ir ao seu encontro e entregar-lhe nossa vida, e obedecer as suas ordens.

Se nossos líderes eclesiásticos fossem ameaçados pelas autoridades religiosas e pela polícia como o foram os apóstolos, provavelmente, eles teriam orado a Deus nos seguintes termos: “Pai, tem misericórdia de nós. Socorre-nos, Senhor. Tem misericórdia de Pedro e João. Não deixe que os soldados toquem neles. Concede-nos um meio de livramento. Não permita que soframos. Olha o que estão fazendo conosco, ô Senhor, detém estes homens; não permita que nos causem nenhum mal.” Nós, nos, eu, me.

Mas quando lemos o capítulo 4 de Atos, vemos que a oração que os cristãos fizeram foi no sentido contrário. Notemos quantas vezes os apóstolos dizem tu e teu ou tua.

“Ouvindo, isto, unânimes, levantaram a voz a Deus e disseram: Tu. Soberano Senhor, que fizeste o céu e a terra, o mar e tudo o que neles há; que disseste por intermédio do Espírito Santo, por boca de nosso pai Davi, teu servo: Por que se enfureceram os gentios, e os povos imaginaram cousas vãs? Levantaram-se os reis da terra, e as autoridades ajuntaram-se à uma contra o Senhor e contra o seu Ungido; porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e povos de Israel, para fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito predeterminaram; agora, Senhor, olha para as suas ameaças, e concede aos teus servos que anunciem com toda intrepidez a tua palavra, enquanto estendes a mão para fazer curas, sinais e prodígios, por intermédio do nome do teu santo Servo Jesus. Tendo eles orado, tremeu o lugar onde estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo, e, com intrepidez, anunciavam a palavra de Deus.”

Não é de se espantar que tenha sido como foi. Não poderia ter sido de outro modo, já que a oração deles era centralizada em Deus.

E não se trata apenas de uma questão de semântica; estou-me referindo ao imenso problema de atitudes que enfrentamos em nossas igrejas. Não é bastante que modifiquemos nosso vocabulário. Temos que deixar Deus tomar a nossa mente e lavá-la com detergente, dando-lhe uma boa escovada e depois recolocá-la no lugar, mas na posição inversa. Todo o nosso conceito de valores precisa ser mudado.

Somos como os povos medievais que acreditavam que a terra era o centro do universo. Estavam redondamente enganados, e nós também estamos. Pensamos que somos o centro do universo, e que Deus, Jesus Cristo e os anjos giram ao nosso redor. O céu é para nós; tudo que existe é para nosso benefício.

Estamos completamente errados. Deus é o centro de tudo. Temos que modificar nosso conceito sobre o centro da gravitação universal. Ele é o sol, e nós giramos ao redor dele.

Mas é extremamente difícil mudar. Até mesmo nossa motivação no trabalho de evangelismo é centralizada no homem. Lembro-me de que, durante meu curso na escola bíblica, ouvi várias vezes a exortação: “Ó alunos, olhem as almas perdidas. Elas estão perecendo. Estes pobres homens estão-se dirigindo para o inferno. Cada vez que o relógio dá uma pancada, mais 5822 e meia pessoas vão para o inferno. Será que vocês não têm pena delas?” E nós chorávamos e dizíamos: “Coitada dessa gente! Vamos sair a campo e salvá-la!” Estão vendo? Nós não saíamos por amor a Jesus, mas por causa das almas perdidas.

Isto pode parecer muito bonito, mas está errado, pois todas as nossas ações devem ser motivadas por Cristo. Nós não pregamos para as almas perdidas por estarem perdidas. O que temos que fazer é estender o Reino de Deus, pois ele assim nos ordena, e ele é o Senhor.

Este evangelho moderno é o que eu chamo de Quinto Evangelho. Já contamos com o Evangelho Segundo São Mateus, o Evangelho segundo São Marcos, o Evangelho Segundo São Lucas, o Evangelho Segundo São João e também o Evangelho Segundo os Santos Evangélicos. Este último é um apanhado geral dos outros quatro; são textos que recolhemos aqui e ali neles. Tomamos as passagens de que mais gostamos, as que oferecem ou prometem alguma coisa — como João 3.16 ou 5.24 e assim por diante — e construímos nossa teologia sistemática em torno delas, e esquecemos todos os outros versos que apresentam as ordenanças de Jesus Cristo.

Quem autorizou tal liberdade? Quem disse que tínhamos permissão para apresentar apenas uma face de Jesus? Suponhamos que estamos assistindo a um casamento, e quando chega o momento de o casal repetir os votos matrimoniais, o noivo diz: “Pastor, eu aceito esta mulher como minha cozinheira particular”, ou “como minha arrumadeira pessoal”. O quê?

A noiva provavelmente diria: “Ei, espere um pouco! É verdade que eu vou cozinhar. Vou lavar a louça; vou arrumar a casa. Mas não sou sua empregada — vou ser sua esposa. Você terá de amar-me, dar-me seu coração, seu lar, seus talentos — tudo!”

Com Jesus também é assim. Ele é nosso Salvador e nosso Médico. Tudo isto é verdade. Mas não podemos recortar Jesus em partes e escolher apenas a que nos agrada mais. Estamos nos comportando como criancinhas que recebem uma fatia de pão com geléia. Lambem a geléia e depois devolvem o pão. A mãe passa um pouco mais de geléia, e novamente elas lambem a geléia e devolvem o pão.

O Senhor Jesus é o Pão da vida, e talvez o céu possa ser comparado com o doce. Mas temos que comer o pão e a geléia.

Seria muito interessante, se, durante um congresso de teólogos, eles chegassem à conclusão de que não existe céu nem inferno. Quantas pessoas permaneceriam em suas igrejas depois que tal descoberta fosse divulgada? A maioria sairia. “Se não existe nem céu nem inferno, para que estou vindo aqui?” Elas têm freqüentado a igreja apenas por causa da geléia, atendendo a seus próprios interesses — para se curarem, para escaparem do inferno, para chegarem ao céu. Estão seguindo o Quinto Evangelho.

Quando Pedro concluía seu sermão no dia de Pentecoste, ele deixou bem claro o seguinte: “Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa de Israel de que a este Jesus que vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo.” (At 2.36.) Este era o tema da mensagem.

Quando aquela gente compreendeu que Jesus era realmente o Senhor, “compungiu-se-lhes o coração” (v. 37), e começaram a tremer. “Que faremos, irmãos?” indagaram eles.
A resposta foi: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo” (v. 38).

O evangelho de Paulo acha-se resumido em Romanos 10.9: “Se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo.” Ele é o Senhor. Ele não é apenas o Salvador.

Deixe-me dar um exemplo a respeito deste Quinto Evangelho. Em Lucas 12.32, lemos o seguinte: “Não temais, ó pequenino rebanho; porque vosso Pai se agradou em dar-vos o seu reino.” Este verso é altamente apreciado por todos os crentes. Eu mesmo já preguei sobre ele várias vezes.

Mas, e o verso seguinte: “Vendei vossos bens e dai esmolas”? Nunca ouvi um só sermão baseado neste verso, porque não pertence ao Evangelho Segundo os Santos Evangélicos. O verso 32 se encontra em nosso Quinto Evangelho, mas o 33 não — e ele é uma ordenança de Jesus.

Jesus ordenou que não matássemos.

Jesus ordenou que amássemos nosso próximo.

Jesus ordenou que vendêssemos os nossos bens e déssemos esmolas.

Quem está autorizado a decidir quais os mandamentos de Deus que são obrigatórios e quais os que são optativos? O Quinto Evangelho introduziu uma estranha inovação: um mandamento optativo. Você faz se quiser, mas se não quiser, está tudo certo também.

Mas não é assim o evangelho do Reino.

Fonte: "O Discípulo" - Juan Carlos Ortiz - Ed. Betânia - Pag.12-19

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