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terça-feira, 14 de abril de 2009

RESSUSCITANDO UMA VELHA HERESIA - John MacArthur Jr.



"Deus pode fazer-vos abundar em toda graça, a fim de que, tendo sempre, em tudo, ampla suficiência, superabundeis em toda boa obra." 2 Coríntios 9.8

Conheço um pastor que estava realizando uma série de conferências em várias igrejas nos Estados de Carolina do Norte e Carolina do Sul. Ele estava hospedado na casa de amigos em Asheville e viajava todas as noites para pregar.

Certa noite, ele deveria falar em uma igreja em Greenville, Carolina do Sul, que está a várias horas de Asheville. Visto que não possuía carro, alguns amigos de Greenville ofereceram-se para buscá-lo e, depois, levá-lo de volta. Quando estes apareceram para apanhá-lo, ele se despediu de seus hospedeiros, avisando que retornaria por volta da meia-noite ou um pouco depois.

Após ministrar na igreja de Greenville, permaneceu por algum tempo desfrutando de comunhão e, por fim, retornou a Asheville. Aproximando-se da casa, reparou que a luz da porta da frente estava acesa; por isso pressupôs que seus anfitriões estariam à sua espera, pois haviam conversado sobre a hora de seu retorno. Ao descer do carro, despediu-se de quem o trouxera e disse: Apresse-se, sua viagem de volta é longa. Estou certo que estão me esperando; não terei qualquer problema.

Caminhando em direção à casa, sentiu o forte frio da noite de inverno. Ao se aproximar da porta, seu nariz e suas orelhas já estavam dormentes. Ele gentilmente bateu à porta, mas ninguém atendeu. Bateu mais forte, e mais forte ainda, mas nada de resposta. Finalmente, preocupado com o intenso frio, deu a volta e bateu à porta da cozinha e na janela lateral. Mas o silêncio continuou absoluto.

Frustrado e ficando a cada instante mais gelado, resolveu bater à porta de um vizinho para tentar telefonar ao seu anfitrião. No caminho, raciocinou que bater à porta de um estranho após a meia-noite era ariscado para fazer, então resolveu achar um telefone público. Estava escuro e o frio era intenso. Por não conhecer os arredores ele acabou caminhando por vários quilômetros. A certa altura, ele escorregou na grama molhada ao lado da estrada e, deslizando numa ribanceira, caiu dentro de meio metro de água. Ensopado e quase congelado, ele subiu rastejando a ribanceira e continuou caminhando até vislumbrar o luminoso letreiro de um hotel. Acordou o gerente, que gentilmente lhe cedeu o telefone.

O pastor, enlameado, telefonou e disse ao seu sonolento anfitrião: "Sinto acordá-lo, mas não consegui que ninguém atendesse quando bati à porta. Estou a vários quilômetros de sua casa, estrada abaixo, aqui no hotel. O irmão poderia vir me buscar?"

Ao que o anfitrião respondeu: "Meu querido irmão, há uma chave da porta da frente no bolso de seu paletó. O irmão esqueceu? Eu a dei ao irmão quando saía de casa".

Então, o pastor colocou a mão no bolso, e lá estava a chave.

Essa história verdadeira ilustra bem a embaraçosa situação dos cristãos que procuram obter as bênçãos divinas por meios humanos, enquanto — o tempo todo — possuem Cristo, que é a chave para todo tipo de bênção espiritual. Ele, por Si só, preenche os anelos mais profundos de nossos corações e supre todos os recursos espirituais que necessitamos.

Os crentes têm em Cristo tudo que precisam para enfrentar qualquer provação, qualquer tentação, qualquer dificuldade com as quais possam se deparar nesta vida. Mesmo o recém-convertido possui recursos suficientes para cada necessidade espiritual que possa ter. A partir do momento da salvação, cada crente está em Cristo (2 Co 5.17), e Cristo está no crente (Cl 1.27). O Espírito Santo habita no crente (Rm 8.9), e o crente é o santuário do Espírito Santo (1 Co 6.19). "Porque todos nós temos recebido da sua plenitude e graça sobre graça" (Jo 1.16). Portanto, cada cristão é um depósito de riquezas espirituais divinamente outorgadas. Nenhuma outra coisa — nenhum grande segredo transcendental, nenhuma experiência de êxtase, nenhuma sabedoria espiritual oculta — pode levar o crente a um mais elevado nível de vida espiritual. “Visto como, pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as cousas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude" (2 Pe 1.3 - ênfase minha). O "conhecimento completo daquele que nos chamou” refere-se ao conhecimento salvífico. Buscar algo mais é como bater freneticamente numa porta, à procura do que está lá dentro, sem perceber que você tem uma chave em seu bolso.

Satanás tem procurado sempre enganar os cristãos, conduzindo-os para longe da pureza e da simplicidade encontradas em Cristo, que é todo-suficiente (2 Co 11.3), e sempre tem encontrado pessoas dispostas a renegar a verdade em troca de praticamente qualquer coisa nova e incomum.

A Invasão do Gnosticismo na Igreja Primitiva

Uma das primeiras negações quanto à suficiência de Cristo foi o gnosticismo, uma seita que floresceu nos primeiros quatro séculos da história da igreja. Muitos escritos pseudobíblicos, incluindo o Evangelho Segundo Tomé, o Evangelho de Maria, o Apócrifo de João, a Sabedoria de Jesus Cristo e o Evangelho Segundo Felipe, foram obras gnósticas.

Os gnósticos criam que a matéria é má e que o espírito é bom. Eles inventaram explicações heréticas acerca de como Cristo podia ser Deus (espírito puro, imaculado) e ainda assim encarnar (a carne era vista pelos gnósticos como uma substância material totalmente má). Os gnósticos ensinavam que há uma faísca de divindade dentro dos seres humanos e que a essência da espiritualidade está em nutrir esse lado imaterial e em negar os impulsos materiais e físicos. Eles criam que a principal forma de se liberar o elemento divino contido numa pessoa seria através do alcançar a iluminação intelectual e espiritual.

Os gnósticos, portanto, criam que possuíam um nível de conhecimento espiritual mais elevado do que o crente comum e que esse conhecimento secreto era a chave para a iluminação espiritual. Aliás, a palavra grega gnosis significa "conhecimento". A heresia gnóstica levou muitos na igreja a buscarem um conhecimento oculto, além do que Deus havia revelado em sua Palavra e através de seu Filho.

O gnosticismo era, pois, algo elitizado, um movimento exclusivista que desdenhava os cristãos bíblicos "não-iluminados" e "simplistas", por sua ingenuidade e por sua falta de sofisticação. Infelizmente, muitas igrejas foram enganadas por essas idéias e se afastaram de sua exclusiva confiança em Cristo.

O gnosticismo foi um ataque desferido contra a suficiência de Cristo. Ele promovia a falsa promessa de algo mais, algo mais elevado ou um recurso espiritual mais completo, quando a verdade é que Cristo é tudo o que alguém necessita.

A maioria das epístolas do Novo Testamento confronta, de modo evidente, as incipientes formas do gnosticismo. Em Colossenses, por exemplo, o apóstolo Paulo estava atacando conceitos gnósticos quando escreveu a respeito de "toda a riqueza da forte convicção do entendimento, para compreenderem plenamente o mistério de Deus, Cristo, em quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos" (Cl 2.2,3). Ele preveniu os crentes contra a metodologia procedente desta heresia: "Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo; porquanto, nele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade. Também nele estais aperfeiçoados. Ele é o cabeça de todo principado e potestade" (Cl 2.8-10 - veja uma abordagem mais ampla no capítulo 8).

O Ataque Neognóstico à Igreja Contemporânea

O gnosticismo, na realidade, nunca morreu. Traços de influência gnóstica têm infectado a igreja através de sua história. Atualmente, uma tendência neognóstica de se buscar conhecimento oculto vem ganhando uma nova influência e trazendo consigo resultados desanimadores.

Em ambientes onde são toleradas a doutrina imprecisa e uma negligente exegese bíblica, onde definham tanto o discernimento quanto a sabedoria bíblica, as pessoas tendem a procurar algo mais que a simples suficiência que Deus providenciou em Cristo. Hoje, como nunca antes, a igreja tem se tornado negligente e atordoada quanto à verdade bíblica, e isso tem conduzido a uma busca sem precedentes pelo conhecimento oculto. Isso é neognosticismo, e três de seus traços principais, presentes hoje na igreja, indicam que ele está ganhando ímpeto: a psicologia, o pragmatismo e o misticismo.

Psicologia

Nada define melhor o neognosticismo do que a fascinação da igreja pela psicologia humanista. A integração da moderna teoria behaviorista na igreja tem criado uma atmosfera na qual o aconselhamento bíblico tradicional é visto como simples, ingênuo e até mesmo tolo. Os neognósticos pretendem nos levar a crer que compartilhar as Escrituras e orar com alguém que está com suas emoções profundamente feridas é algo muito superficial. Somente os que são especialistas em psicologia — os que possuem conhecimento secreto — estão devidamente qualificados para ajudar pessoas com problemas espirituais e emocionais profundos. A aceitação dessa atitude está conduzindo milhões ao erro e está aleijando o ministério da igreja.

A palavra psicologia, em si, é boa. Seu significado literal é "o estudo da alma". E como tal, ela originalmente carregava uma conotação que tem implicações distintamente cristãs, pois somente alguém que se tornou perfeito em Cristo está adequadamente equipado para estudar a alma humana. Mas a psicologia não consegue, na realidade, estudar a alma humana; ela está limitada a estudar o comportamento humano. E reconhecemos haver valor nisso, mas é preciso se fazer uma clara distinção entre a contribuição que estudos behavioristas podem fazer às necessidades educacionais, industriais e físicas de uma sociedade e a capacidade de tais estudos satisfazerem às necessidades espirituais das pessoas. Buscar soluções que não estejam alicerçadas na Palavra e na orientação do Espírito de Deus jamais resolve qualquer problema da alma humana. Só Deus conhece a alma, e somente Ele pode mudá-la. Ainda mais, as idéias largamente difundidas pela psicologia moderna são teorias desenvolvidas por ateus, estribadas na suposição de que não há Deus e de que o indivíduo, por si só, tem o poder de mudar a si mesmo, transformando-se numa pessoa melhor, desde que aplique certas técnicas.

Surpreendemente, a igreja tem abraçado muitas das teorias populares da psicologia secular, e o impacto disto, nos últimos anos, tem sido revolucionário. Muitos na igreja crêem na noção ateísta de que os "problemas psicológicos" das pessoas são sofrimentos que nada têm a ver com a esfera física ou espiritual. "Psicólogos cristãos" têm se tornado os novos campeões do aconselhamento nas igrejas. Em nossos dias, eles são festejados como os que verdadeiramente curam o coração humano. Os pastores e leigos são levados a crer que, a menos que tenham passado por um treinamento formal em técnicas psicológicas, estão mal equipados para aconselhar.

E a evidente mensagem dada por tal atitude é que apenas mostrar aos crentes a suficiência que há em Cristo é algo vazio e, quem sabe, até perigoso. Mas, pelo contrário, é vazio e perigoso crer que qualquer problema está além do alcance das Escrituras e que não possa ser resolvido pelas riquezas espirituais existentes em Crista

Pragmatismo

O fim justifica os meios? Mais do que nunca, a resposta dos evangélicos tem sido "sim". As igrejas, em seu zelo para atrair incrédulos, estão incorporando virtualmente todo tipo de entretenimento.

A igreja primitiva reunia-se para adorar, orar, ter comunhão e ser edificada — e separava-se para evangelizar os incrédulos. Muitos hoje crêem que, em lugar disso, as reuniões da igreja deveriam entreter os incrédulos, de forma a gerar uma experiência que torne Cristo mais "apetecível" para eles. Cada vez mais, as igrejas estão trocando a pregação da Palavra por dramatizações, shows variados e coisas semelhantes. Algumas igrejas têm relegado o estudo da Bíblia aos cultos do meio da semana; outras o abandonaram por completo. Aqueles que possuem acesso ao referido conhecimento secreto nos dirão que a pregação bíblica, por si, não tem como ser relevante. Afirmam que a igreja precisa adotar novos métodos e programas inovadores, a fim de agarrar as pessoas no nível em que elas se encontram.

Esse tipo de pragmatismo vem rapidamente substituindo o sobrenaturalismo em muitas igrejas. Trata-se de uma tentativa de se alcançar objetivos espirituais através da metodologia humana e não por meio do poder sobrenatural. O critério primário deste pragmatismo é o sucesso exterior. Tal pragmatismo emprega qualquer método que atraia uma multidão e estimule a reação desejada. As pressuposições de tal pragmatismo são de que a igreja pode atingir alvos espirituais através de meios carnais e que o poder da Palavra de Deus, por si só, não é suficiente para acabar com a cegueira e a dureza de coração do pecador.

Ao afirmar isso não creio que esteja indo longe demais. A onda de pragmatismo que assola a igreja de nossos dias parece estar fundamentada na concepção de que técnicas artificiais e estratégias humanas são cruciais para a missão da igreja hoje. Muitos parecem crer que, se nossa programação tiver bastante atrativos e nossa pregação for suficientemente persuasiva, então conseguiremos capturar as pessoas para Cristo e para a igreja. Por isso, torcem a sua filosofia a respeito do ministério para encaixar as técnicas que mais parecem satisfazer os incrédulos.

Misticismo

Misticismo é a crença de que a realidade espiritual é perceptível fora da esfera do intelecto humano e dos sentidos naturais. Ele busca a verdade internamente, valorizando os sentimentos, a intuição, e outras sensações interiores, mais do que os dados externos, objetivos e observáveis. O misticismo, em última análise, fundamenta sua autoridade em uma luz auto-autenticada e auto-efetivada, vinda do interior da pessoa. Sua fonte de verdade é o sentimento espontâneo e não o fato objetivo. As formas mais complexas e extremas de misticismo são encontradas no hinduísmo e em seu reflexo ocidental, a filosofia da Nova Era.

Assim, um misticismo irracional e anti-intelectual, que é a antítese da teologia cristã, tem se infiltrado na igreja. Em muitos casos, os sentimentos individuais e a experiência pessoal têm tomado o lugar da sã interpretação bíblica. A questão "o que a Bíblia significa para mim? tem se tornado mais importante do que "o que a Bíblia significa?."

Trata-se de uma abordagem das Escrituras que é terrivelmente imprudente. Ela mina a integridade e a autoridade bíblicas, sugerindo que a experiência pessoal deve ser buscada mais do que uma compreensão das Escrituras. Com freqüência, ela considera a "revelação" particular e as opiniões pessoais iguais à verdade eterna da inspirada Palavra de Deus. Portanto, deixa de honrar a Deus e, em lugar disso, exalta o homem. E, o pior de tudo, pode — e geralmente o faz — levar à horrenda ilusão de que o erro é a verdade.

Exageradas formas de misticismo têm florescido em décadas recentes, oferecidas por fornecedores que fazem da mídia religiosa a sua plataforma. Os shows televisados, apresentando bate-papos, têm sido vitrines de quase todas as extravagantes interpretações teológicas que podemos imaginar, feitas por pessoas descuidadas e sem instrução — indo desde os que reivindicam terem viajado para o céu, e voltado, até os que enganam seus telespectadores com novas verdades, supostamente reveladas por Deus a eles, em secreto. Esse tipo de misticismo tem produzido várias aberrações, incluindo o movimento de sinais e maravilhas e um falso evangelho, que promete saúde, riqueza e prosperidade. Trata-se de mais uma evidência de que o avivamento gnóstico está assolando a igreja e minando a fé na suficiência de Cristo.

Diante do tamanho da igreja contemporânea, o neo-gnosticismo de hoje constitui uma ameaça de muito maior alcance que seu predecessor do primeiro século. Além do mais, os líderes da igreja primitiva estavam unidos em oposição à heresia gnóstica. Infelizmente, isto não acontece em nossos dias.

O que pode ser feito? Ao apontar a suficiência de Cristo Paulo confrontou o gnosticismo (Cl 2.10). Ainda hoje, essa continua sendo a resposta.

Fonte: "Nossa Suficiência em Cristo" - Ed. Fiel - Pags.17-26

DEUS, TRABALHO E PROSPERIDADE - Augustus Nicodemus Lopes

A prosperidade financeira obedece a normas, regras e métodos estabelecidos. Por outro lado, da perspectiva bíblica, a prosperidade é um dom de Deus. É ele quem concede saúde, oportunidades, inteligência, e tudo o mais que é necessário para o sucesso financeiro. E isso, sem distinção de pessoas quanto ao que crêem e quanto ao que contribuem financeiramente para as comunidades às quais pertencem. Deus faz com que a chuva caia e o sol nasça para todos, justos e injustos, crentes e descrentes, conforme Jesus ensinou (Mateus 5:45). Não é possível, de acordo com a tradição reformada, estabelecer uma relação constante de causa e efeito entre contribuições, pagamento de dízimos e ofertas e mesmo a religiosidade, com a prosperidade financeira. Várias passagens da Bíblia ensinam os crentes a não terem inveja dos ímpios que prosperam, pois cedo ou tarde haverão de ser punidos por suas impiedades, aqui ou no mundo vindouro.

Através dos séculos, as religiões vêm pregando que existe uma relação entre Deus e a prosperidade material das pessoas. No Antigo Oriente, as religiões consideradas pagãs estabeleceram milênios atrás um sistema de culto às suas divindades que se baseava nos ciclos das estações do ano, na busca do favor dessas divindades mediante sacrifícios de vários tipos e na manifestação da aceitação divina mediante as chuvas e as vitórias nas guerras. A prosperidade da nação e dos indivíduos era vista como favor dos deuses, favor esse que era obtido por meio dos sacrifícios, inclusive humanos, como os oferecidos ao deus Moloque. No Egito antigo a divindade e poder de Faraó eram mensurados pelas cheias do Nilo. As religiões gregas, da mesma forma, associavam a prosperidade material ao favor dos deuses, embora estes fossem caprichosos e imprevisíveis. As oferendas e sacrifícios lhes eram oferecidas em templos espalhados pelas principais cidades espalhadas pela bacia do Mediterrâneo, onde também haviam templos erigidos ao imperador romano, cultuado como deus.

A religião dos judeus no período antes de Cristo, baseada no Antigo Testamento, também incluía essa relação entre a ação divina e a prosperidade de Israel. Tal relação era entendida como um dos termos da aliança entre Deus e Abraão e sua descendência. Na aliança, Deus prometia, entre outras coisas, abençoar a nação e seus indivíduos com colheitas abundantes, ausência de pragas, chuvas no tempo certo, saúde e vitória contra os inimigos. Essas coisas eram vistas como alguns dos sinais e evidências do favor de Deus e como testes da dependência dele. Todavia, elas eram condicionadas à obediência e só viriam caso Israel andasse nos seus mandamentos, preceitos, leis e estatutos. Estes incluíam a entrega de sacrifícios de animais e ofertas de vários tipos, a fidelidade exclusiva a Deus como único Deus verdadeiro, uma vida moral de acordo com os padrões revelados e a prática do amor ao próximo. A falha em cumprir com os termos da aliança acarretava a suspensão dessas bênçãos. Contudo, a inclusão na aliança, o favor de Deus e a concessão das bênçãos não eram vistos como meritórios, mas como favor gracioso de Deus que soberanamente havia escolhido Israel como seu povo especial.

O Cristianismo, mesmo se entendendo como a extensão dessa aliança de Deus com Abraão, o pai da fé, deu outro enfoque ao papel da prosperidade na relação com Deus. Para os primeiros cristãos, a evidência do favor de Deus não eram necessariamente as bênçãos materiais, mas a capacidade de crer em Jesus de Nazaré como o Cristo, a mudança do coração e da vida, a certeza de que haviam sido perdoados de seus pecados, o privilégio de participar da Igreja e, acima de tudo, o dom do Espírito Santo, enviado pelo próprio Deus ao coração dos que criam. A exultação com as realidades espirituais da nova era que raiou com a vinda de Cristo e a esperança apocalíptica do mundo vindouro fizeram recuar para os bastidores o foco na felicidade terrena temporal, trazida pelas riquezas e pela prosperidade, até porque o próprio Jesus era pobre, bem como os seus apóstolos e os primeiros cristãos, constituídos na maior parte de órfãos, viúvas, soldados, diaristas, pequenos comerciantes e lavradores. Havia exceções, mas poucas. Os primeiros cristãos, seguindo o ensino de Jesus, se viam como peregrinos e forasteiros nesse mundo. O foco era nos tesouros do céu.

A Idade Média viu a cristandade passar por uma mudança nesse ponto (e em muitos outros). A pobreza quase virou sacramento, ao se tornar um dos votos dos monges, apesar de Jesus Cristo e os apóstolos terem condenado o apego às riquezas e não as riquezas em si. Ao mesmo tempo, e de maneira contraditória, a Igreja medieval passou a vender por dinheiro as indulgências, os famosos perdões emitidos pelo papa (como aqueles que fizeram voto de pobreza poderiam comprá-los?). Aquilo que Jesus e os apóstolos disseram que era um favor imerecido de Deus, fruto de sua graça, virou objeto de compra. Milhares de pessoas compraram as indulgências, pensando garantir para si e para familiares mortos o perdão de Deus para pecados passados, presentes e futuros.

A Reforma protestante, nascida em reação à venda das indulgências, entre outras razões, reafirmou o ensino bíblico de que o homem nada tem e nada pode fazer para obter o favor de Deus. Ele soberana e graciosamente o concede ao pecador arrependido que crê em Jesus Cristo, e nele somente. A justificação do pecador é pela fé, sem obras de justiça, afirmaram Lutero, Calvino, Zwinglio e todos os demais líderes da Reforma. Diante disso, resgatou-se o conceito de que o favor de Deus não se pode mensurar pelas dádivas terrenas, mas sim pelo dom do Espírito e pela fé salvadora, que eram dados somente aos eleitos de Deus. O trabalho, através do qual vem a prosperidade, passou a ser visto, particularmente nas obras de Calvino, como tendo caráter religioso. Acabou-se a separação entre o sagrado e o profano que subjaz ao conceito de que Deus abençoa materialmente quem lhe agrada espiritualmente. O calvinismo é, precisamente, a primeira ética cristã que deu ao trabalho um caráter religioso. Mais tarde, esse conceito foi mal compreendido por Max Weber, que traçou sua origem à doutrina da predestinação como entendida pelos puritanos do século XVIII. Weber defendeu que os calvinistas viam a prosperidade como prova da predestinação, de onde extraiu a famosa tese que o calvinismo é o pai do capitalismo. As conclusões de Weber têm sido habilmente contestadas por estudiosos capazes, que gostariam que Weber tivesse estudado as obras de Calvino e não somente os escritos dos puritanos do séc. XVIII.

Atualmente, em nosso país, a idéia de que Deus sempre abençoa materialmente aqueles que lhe agradam vem sendo levada adiante com vigor, não pelos calvinistas e reformados em geral, mas pelas igrejas evangélicas chamadas de neopentecostais, uma segunda geração do movimento pentecostal que chegou ao Brasil na década de 1900. A mensagem dos pastores, bispos e “apóstolos” desse movimento é que a prosperidade financeira e a saúde são a vontade de Deus para todo aquele que for fiel e dedicado à Igreja e que sacrificar-se para dar dízimos e ofertas. Correspondentemente, os que são infiéis nos dízimos e ofertas são amaldiçoados com quebra financeira, doenças, problemas e tormentos da parte de demônios. Na tentativa de obter esses dízimos e ofertas, os profetas da prosperidade promovem campanhas de arrecadação alimentadas por versículos bíblicos freqüentemente deslocados de seu contexto histórico e literário, prometendo prosperidade financeira aos dizimistas e ameaçando com os castigos divinos os que pouco ou nada contribuem.

O crescimento vertiginoso de igrejas neopentecostais que pregam a prosperidade só pode ser explicado pela idéia equivocada que o favor de Deus se mede e se compra pelo dinheiro, pelo gosto que os evangélicos no Brasil ainda têm por bispos e apóstolos, pela idéia nunca totalmente erradicada que pastores são mediadores entre Deus e os homens e pelo misticismo supersticioso da alma brasileira no apego a objetos considerados sagrados que podem abençoar as pessoas. Quando vejo o retorno de grandes massas ditas evangélicas às práticas medievais de usar no culto a Deus objetos ungidos e consagrados, procurando para si bispos e apóstolos, imersas em práticas supersticiosas e procurando obter prosperidade material por meio de pagamento de dízimos e ofertas me pergunto se, ao final das contas, o neopentecostalismo brasileiro e sua teologia da prosperidade não são, na verdade, filhos da Igreja medieval, uma forma de neo-catolicismo tardio que surge e cresce em nosso país onde até os evangélicos têm alma medieval.

Fonte: http://tempora-mores.blogspot.com

A Procura De Algo Mais - John F. MacArthur Jr.


"Ele é antes de todas as cousas. Nele tudo subsiste. Ele é a cabeça do corpo, da igreja. Ele é o princípio,o primogênito de entre os mortos, para em todas as cousas ter a primazia." Colossenses 1.17-18

"Porquanto nele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade. Também nele estais aperfeiçoados." Colossenses 2.9-10

Conta-se uma história sobre William Randolph Hearst, o falecido editor jornalístico. Hearst investiu uma fortuna em colecionar grandes obras de arte. Um dia ele leu sobre algumas valiosas obras de arte e decidiu que deveria adicioná-las à sua coleção. Enviou seu agente ao exterior para localizá-las e comprá-las. Meses se passaram antes que o agente voltasse e relatasse a Hearst que os itens haviam finalmente sido achados — eles estavam guardados em seu próprio armazém. Hearst os havia comprado anos atrás!

Isso é análogo ao alarmante número de cristãos que hoje estão numa busca desesperada por recursos espirituais que já possuem. Eles praticam uma busca fútil por algo mais. Esse é um fogo herético em parte abanado pela falsa noção de que a salvação é insuficiente para transformar os crentes e equipá-los para a vida cristã. Aqueles que estão sob a influência desta falsa noção acreditam que precisam de algo mais — mais de Cristo, mais do Espírito Santo, um tipo de experiência de êxtase, visões místicas, sinais, maravilhas, milagres, uma segunda bênção, línguas, níveis espirituais mais elevados ou mais profundos, ou o que quer que seja.

Mas ter Jesus é ter todo recurso espiritual. Tudo que necessitamos se acha nEle. Em vez de tentarmos acrescentar algo a Cristo, devemos simplesmente aprender a usar os recursos que já possuímos nEle.

Em toda a Escritura, talvez o texto mais definitivo sobre a suficiência de Cristo é o livro aos Colossenses. Paulo o escreveu para crentes que eram fortes na fé e no amor (Colossenses 1.4), mas confundidos por uma heresia que negava a suficiência de Cristo. Nosso estudo exige uma observação cuidadosa em algumas porções desse texto-chave.

Não sabemos a exata natureza da heresia em Colossos, porque Paulo não a definiu em detalhes nem gastou tempo nomeando e denunciando seus líderes. Em vez disso, ele a refutou generalizada-mente, mostrando que se baseava num conceito inadequado e errôneo a respeito da pessoa e do trabalho de Cristo. Ele escreveu à igreja de Colossos uma epístola inteira focalizando a Cristo — seu lugar no universo, sua obra na salvação, sua preeminência como Deus, sua posição como Cabeça da igreja e sua absoluta suficiência para toda necessidade humana. Ao fazer isso, Paulo demonstrou que a melhor defesa contra a falsa doutrina é uma cristologia bíblica integral. Ele avisou aos Colossenses que tentar acrescentar ou retirar algo da pessoa e da obra de Cristo sempre termina em desastre espiritual.

No capítulo 1, Paulo escreveu:
Ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor, no qual temos a redenção, a remissão dos pecados. Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação; pois nele foram criadas todas as cousas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele é antes de todas as cousas. Nele tudo subsiste. Ele é a cabeça do corpo, da igreja. Ele é o princípio, o primogênito de entre os mortos, para em todas as cousas ter a primazia, porque aprouve a Deus que nele residisse toda a plenitude, e que, havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as cousas, quer sobre a terra, quer nos céus. (vv. 13-20)

O apóstolo faz um profundo sumário quando diz que em Cristo estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento (2.3), porque nEle habita corporalmente toda a plenitude da Deidade (2.9). Ele é o Cabeça de todo principado e potestade (2.10). Ele é a própria vida (3.4)! O que mais poderia dizer o apóstolo para asseverar a absoluta suficiência de nosso Senhor?

O erro com o qual Paulo estava lidando tinha muitas facetas. Parece claramente ter sido uma antiga forma de gnosticismo. Os hereges de Colossos alegavam que Cristo sozinho não poderia levantar alguém ao nível espiritual mais alto. Eles defendiam uma variedade de aditivos espirituais, incluindo a filosofia (2.8-10), o legalismo (2.11-17), o misticismo (2.18-19) e o ascetismo (2.20-23).

Cristo + Filosofia

A palavra "filosofia" é a transliteração da palavra grega philosophia, a qual é formada de duas palavras gregas comuns: phileo (amar) e sophia, (sabedoria). Ela literalmente significa "o amor à sabedoria humana". Em seu sentido mais amplo, é a tentativa da parte do homem para explicar a natureza do universo, incluindo os fenômenos de existência, pensamento, ética, comportamento, estética e assim por diante.

No tempo de Paulo, "tudo que tinha a ver com teorias sobre Deus, sobre o mundo e sobre o significado da vida humana se chamava 'filosofia'... não somente nas escolas pagas, mas também nas escolas judaicas das cidades gregas". Josefo, o historiador judeu do primeiro século, acrescenta que havia três correntes filosóficas entre os judeus: a dos fariseus, a dos saduceus e a dos essênios.

Paulo condenou com veemência qualquer teoria filosófica, a respeito de Deus, que professasse mostrar a causa da existência do mundo e oferecer orientação moral à parte da revelação divina. Em Colossenses 2.8-10, ele diz:

Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo: porquanto nele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade. Também nele estais aperfeiçoados. Ele é o cabeça de todo principado e potestade.

A frase "venha a enredar" (v.8) vem da palavra grega sylagogeo, que se referia a levar os cativos ou outros despojos da guerra. Nesse sentido, ela transmitia a idéia de um rapto. Ela retrata o modo como a heresia "Cristo + filosofia" estava seqüestrando os colossenses para longe da verdade, levando-os à escravidão do erro. Assim o apóstolo retratou a filosofia como uma predadora que procura escravizar cristãos sem discernimento, por meio de "vãs sutilezas" (v.8).
"Vãs" fala de algo vazio, destituído da verdade, fútil, infrutífero e sem efeito. A filosofia declara ser verdadeira mas é totalmente enganosa, como um pescador que captura sua presa involuntária, ao esconder um anzol mortal dentro de um saboroso bocado de alimento. O peixe pensa que está sendo alimentado quando, em vez disso, torna-se alimento. Igualmente, aqueles que abraçam uma filosofia humana sobre Deus e o homem podem pensar que estão recebendo a verdade, mas, em vez disso, estão recebendo vão engano, que pode levar à condenação eterna.

A filosofia é inútil porque se fundamenta na "tradição dos homens" e nos "rudimentos do mundo" (v.8), e não em Cristo. A "tradição dos homens" se refere às especulações humanas passadas de geração a geração. A maioria dos filósofos amontoam seus ensinamentos sobre a pilha de ensinamentos dos seus predecessores. Um desenvolve um pensamento até tal ponto, depois outro o desenvolve além, e assim vai. Isso é uma série de variações dentro da tradição humana que apenas perpetua o erro e agrava a ignorância.

A frase "rudimentos do mundo" literalmente significa "coisas em coluna" ou "coisas em fila" (tais como 1,2,3, ou A,B,C). Ela se refere ao tipo de instrução que se daria a uma criança. Paulo estava dizendo que, embora intente ser sofisticada, a filosofia humana é de fato rudimentar— infantil e sem refinamento. Abandonar a revelação bíblica em favor da filosofia é como voltar ao jardim da infância após formar-se numa universidade. Mesmo a mais refinada filosofia humana nada pode oferecer para ampliar a verdade de Cristo. Ela impede e retarda a verdadeira sabedoria, produzindo apenas tolice, erro e engano infantis.

Em 1 Coríntios 1.18-21, Paulo diz: "Certamente a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus. Pois está escrito:
Destruirei a sabedoria dos sábios e aniquilarei a inteligência dos entendidos.
Onde está o sábio? onde o escriba? onde o inquiridor deste século?
Porventura não tornou Deus louca a sabedoria do mundo? Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar aos que crêem, pela loucura da pregação."

A sabedoria humana não pode enriquecer a revelação dada por Deus. De fato, ela inevitavelmente resiste e contradiz a verdade divina. Mesmo o melhor da sabedoria humana é mera tolice em comparação com a infinita sabedoria de Deus.

Os cristãos, de forma nenhuma, precisam se dirigir à sabedoria humana. Eles possuem a mente de Cristo (1 Coríntios 2.16). A grande, perfeita e incompreensível sabedoria de Cristo se revela a nós na Palavra de Deus pelo Espírito Santo. Isso deveria revolver nossos corações e nos fazer declarar juntamente com o salmista:

Quanto amo a tua lei!
É a minha meditação todo o dia.
Os teus mandamentos me fazem mais sábio que os meus inimigos; porque aqueles eu os tenho sempre comigo.
Compreendo mais do que todos os meus mestres, porque medito nos teus testemunhos.
Sou mais entendido que os idosos, porque guardo os teus preceitos.
De todo mau caminho desvio os meus pés, para observar a tua palavra. Não me aparto dos teus juízos, pois tu me ensinas.
Quão doces são as tuas palavras ao meu paladar! mais que o mel à minha boca.
Por meio dos teus preceitos consigo entendimento; por isso detesto todo caminho de falsidade.
(Salmo 119.97-104)

Por que se deixar capturar pela filosofia quando se pode ascender à perfeita verdade de Deus?
Em Colossenses 2.9-10, Paulo traça um significativo paralelo: "Porquanto nele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade. Também nele estais aperfeiçoados". "Plenitude" e "aperfeiçoados", nessa passagem, são originadas da mesma palavra grega (plêroma). Assim como Cristo é absolutamente divino, também nós somos totalmente suficientes nEle. A sabedoria humana nada acrescenta ao que já está revelado em Cristo.

Nossa suficiência em Cristo se fundamenta na completa salvação e no completo perdão, os quais Paulo descreve nos versículos 11 a 14. Ele diz que temos passado da morte espiritual para a vida espiritual através do perdão das nossas transgressões (v. 13). No versículo 14, ele traça um quadro vivido desse perdão, dizendo que Cristo "tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz". Quando alguém era crucificado, a lista de seus crimes era sempre pregada à cruz exatamente acima de sua cabeça. Sua morte era o pagamento por aqueles crimes. Os crimes que pregaram Jesus à cruz não foram os dEle, mas os nossos. Por haver Ele tomado sobre Si a nossa pena, Deus apagou o "escrito de dívida" que era contra nós.

Aos pensamentos de completa salvação e de completo perdão, Paulo acrescenta um terceiro: completa vitória (v. 15). Em sua morte e ressurreição, Cristo triunfou sobre as forças demoníacas, nos concedendo assim vitória contra o próprio maligno.

Em Cristo nós temos completa salvação, completo perdão e completa vitória — amplos recursos para cada questão da vida. Esta é a verdadeira suficiência! O que a filosofia pode acrescentar a isso?

Cristo + Legalismo

Há muitos anos, um colega da faculdade me disse: "Eu não acho que você seja uma pessoa muito espiritual".

Fiquei perplexo, porque ele não me conhecia o bastante para extrair aquela conclusão, então perguntei a ele porque dissera aquilo.

"Porque você não vai às reuniões de oração no meio da semana", ele respondeu.

"O que isso tem a ver com a minha espiritualidade?", perguntei. "Eu posso muito bem passar o dia e a noite em oração."

"Não", ele disse. "Pessoas espirituais vão às reuniões de oração."

Se ele tivesse dito que pessoas espirituais oram, eu teria concordado e confessado que eu necessitava orar mais fiel e fervorosamente. Mas condenar as pessoas por não manterem regras humanas e rituais religiosos é legalismo. Jesus encarou isso freqüentemente em seus conflitos com os fariseus. Paulo adverte sobre isso em Colossenses 2.16-17:

"Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, porque tudo isso tem sido sombra das cousas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo."

Paulo se dirigia às pessoas legalistas que estavam nas igrejas e acreditavam, com efeito, que somente um relacionamento pessoal, vital e profundo com Cristo não é suficiente para satisfazer a Deus. Eles haviam acrescentado regras e requisitos que governavam o exercício de certos deveres que eles achavam essenciais à espiritualidade — regras sobre o comer, o beber, o vestir e a aparência, rituais religiosos e assim por diante. Na economia Mosaica, Deus concedeu muitas leis externas com o propósito de proteger Israel da interação social com povos pagãos corruptos. Tais leis também foram dadas para ilustrar verdades espirituais internas que se cumpririam em Cristo.

Paulo também disse: "Porque nós é que somos a circuncisão, nós que adoramos a Deus no Espírito, e nos gloriamos em Cristo Jesus, e não confiamos na carne" (Filipenses 3.3). O que ele quis dizer com isso? Os versículos 4-9 respondem:

"Bem que eu poderia confiar também na carne. Se qualquer outro pensa que pode confiar na carne, eu ainda mais: Circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à lei, fariseu, quanto ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que há na lei, irrepreensível. Mas o que para mim era lucro, isto considerei perda por causa de Cristo. Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus meu Senhor: por amor do qual, perdi todas as cousas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo, e ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé."

Nenhuma circuncisão humana torna alguém justo diante de Deus, apenas o verdadeiro amputar do pecado por meio da salvação em Cristo.

Quando Cristo veio, os elementos cerimoniais da lei foram postos de lado, porque Ele era o cumprimento de tudo que eles prenunciavam. No entanto, os legalistas na igreja primitiva insistiam que todas as cerimônias — incluindo a circuncisão, a observância do sábado e leis dietéticas — deveriam ser mantidas como padrões de espiritualidade. Visto que eles não estavam genuinamente dedicados a amar a Jesus Cristo, eles ficaram com uma aparência de santidade em vez da verdadeira espiritualidade.

Seu legalismo estava em direto confronto com o ensino do próprio Cristo. Jesus deixou claro que leis dietéticas eram simbólicas e não tinham a inerente habilidade de tornar alguém justo, quando Ele disse que nada que entra no homem pode contaminá-lo. É o que sai de uma pessoa (maus pensamentos, palavras e outras expressões de um coração pecaminoso) que causa contaminação (Marcos 7.15). Esta foi uma declaração chocante, porque o povo judeu sempre crera que havia certos alimentos que contaminavam o corpo. Eles haviam entendido mal o simbolismo das leis dietéticas e pensavam que segui-las realmente poderia tornar alguém justo.

Em Atos 10, Pedro teve uma visão de vários tipos de animais impuros que Deus ordenara que ele matasse e comesse. Quando Pedro fez objeção, porque ele nunca havia comido "cousa alguma comum e imunda" (v. 14), uma voz do céu disse: "Ao que Deus purificou não consideres comum" (v. 15). Um novo dia chegara. Deus estava revelando a seu povo que as leis dietéticas não estavam mais em vigor. Pedro entendeu a mensagem (v. 28). Os crentes estavam livres da escravidão da lei, fortalecidos pela graça para cumprir a justiça da lei sem se escravizarem a seus detalhes cerimoniais. Paulo resume a questão em Romanos 14.17: "Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo".

Em 1 Timóteo 4.1-5, Paulo adverte contra aqueles que apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos de demônios, pela hipocrisia dos que falam mentiras e que têm cauterizada a própria consciência, que proíbem o casamento, exigem abstinência de alimentos, que Deus criou para serem recebidos, com ações de graça, pelos fiéis e por quantos conhecem plenamente a verdade; pois tudo o que Deus criou é bom, e, recebido com ações de graça, nada é recusável, porque pela palavra de Deus e pela oração é santificado.

Um evangelho de obras efetuadas pelo homem não é nenhum evangelho (Gálatas 1.6-7; 5.2). Se batismo, orações, jejuns, uso de vestes especiais, presença na igreja, vários tipos de abstinência ou outros deveres religiosos são necessários para se ganhar a salvação, então a obra de Cristo não é verdadeiramente suficiente. Isso é zombar do evangelho.

O legalismo é tanto uma ameaça à igreja hoje como o foi em Colossos. Mesmo nas igrejas evangélicas há muitas pessoas cuja certeza de salvação está baseada em suas atividades religiosas, ao invés de confiarem somente no Salvador todo-suficiente. Elas presumem que são cristãs porque lêem a Bíblia, oram, vão à igreja ou realizam outras funções religiosas. Elas julgam a espiritualidade na base da atuação externa em lugar do amor interno a Cristo, do ódio ao pecado e de um coração devotado à obediência.

Obviamente a leitura da Bíblia, a oração e a comunhão dos crentes podem ser manifestações da verdadeira conversão. Mas, quando isoladas da devoção a Cristo, essas coisas reduzem-se a insignificantes rituais religiosos que até incrédulos podem realizar e pelos quais são enganados quanto à sua vindoura condenação. Jesus disse:

"Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade. " (Mateus 7.22-23)

Não se intimide pelas expectativas legalistas e superficiais da parte de outras pessoas. Deixe que seu comportamento seja o resultado do seu amor a Cristo e das santas aspirações produzidas em você pela habitação do Espírito e pela presença permanente da sua Palavra (Colossenses 3.16).

Cristo + Misticismo

Os crentes em Colossos também estavam sendo intimidados por pessoas que alegavam ter uma mais elevada, ampla, profunda e completa união com Deus do que aquela que somente Cristo pode conceder. Esses eram os místicos. Eles alegavam haver tido comunhão com seres angelicais através de visões e outras experiências místicas. Paulo disse sobre eles:

"Ninguém se faça árbitro contra vós outros, pretextando humildade e culto dos anjos, baseando-se em visões, enfatuado sem motivo algum na sua mente carnal, e não retendo a Cabeça, da qual todo o corpo, suprido e bem vinculado por suas juntas e ligamentos, cresce o crescimento que procede de Deus." (Colossenses 2.18-19)

O misticismo ainda está bem VIVO e continua usando a intimidação espiritual para rebaixar os inexperientes. Com freqüência, as pessoas que hoje dizem ter tido visões celestiais ou experiências fascinantes estão simplesmente inchadas com vãs noções, usando suas alegações para intimidar os outros a exaltá-las. Como escreveu o apóstolo Paulo aos crentes em Colossos, esse tipo de misticismo é o produto de uma mente orgulhosa e não-espiritual. Aqueles que o abraçam apartaram-se da suficiência que possuem em Cristo, o qual produz a verdadeira espiritualidade. Não seja intimidado por eles.

Aparentemente, os místicos de Colossos alegaram que qualquer um que não tivesse semelhantes visões esotéricas ou que não abraçasse semelhantes doutrinas estava desqualificado para obter o prêmio da espiritualidade verdadeira. Na realidade, eles mesmos eram os desqualificados (1 Coríntios 9.27).

O misticismo é a idéia de que o conhecimento direto acerca de Deus ou da realidade máxima se consegue através da intuição ou da experiência pessoal e subjetiva, à parte de ou até mesmo em contradição ao fato histórico ou a objetiva revelação divina — a Bíblia. Arthur Johnson, um professor na Universidade West Texas State, afirma o seguinte:

Quando falamos de uma experiência mística nos referimos a um evento que está completamente dentro da pessoa. Esta experiência é totalmente subjetiva... Embora os místicos possam experimentá-la como tendo sido desencadeada por ocorrências ou objetos fora de si (com um pôr-do-sol, uma música, uma cerimônia religiosa, ou mesmo um ato sexual), ela é um evento totalmente interior. A experiência mística não contém aspectos essenciais que existam externamente no mundo físico... Uma experiência mística é primariamente um evento emotivo, e não um evento cognitivo... Suas qualidades predominantes têm mais a ver com a intensidade emocional, ou seja, com o "tom do sentimento", do que com os fatos avaliados e entendidos racionalmente. Embora esta explicação seja verdadeira, em si ela é um modo inadequado de descrever a experiência mística. A força da experiência é freqüentemente tão abrangente que a pessoa que a experimenta vê toda a sua vida transformada por ela. Meras emoções não podem efetuar tais transformações.

Além do mais, é dessa qualidade emocional que resulta outra característica, a saber, sua natureza "auto-autenticadora". O místico raramente questiona a virtude ou o valor de sua experiência. Conseqüentemente, se ele a descreve como lhe dando informação, ele raramente questiona a verdade de seu conhecimento recém-adquirido. Reconhecer sua alegação de que as experiências místicas são "maneiras de conhecer" a verdade é essencial para a compreensão de muitos movimentos religiosos que vemos hoje.

Prevalecendo especialmente no movimento carismático, o misticismo moderno abraça um conceito de fé que de fato rejeita completamente a realidade e a racionalidade. Declarando guerra à razão e à verdade, ele está assim em direto conflito com Cristo e a Escritura. Ele cresceu rapidamente porque promete o que tantas pessoas estão buscando: algo mais, algo melhor, algo mais rico, algo mais fácil — algo rápido e fácil para se substituir por uma vida de cuidadosa e disciplinada obediência à Palavra de Cristo. E, uma vez que tantos carecem da certeza de que sua suficiência está em Cristo, o misticismo pegou muitos cristãos despercebidos. Assim, ele tem carregado boa parte da igreja a um perigoso mundo de confusão e falso ensinamento.

O misticismo criou um clima teológico amplamente intolerante quanto à doutrina exata e à sadia exegese bíblica. Observe, por exemplo, como se tem tornado popular falar sarcasticamente a respeito da doutrina, do ensino bíblico sistemático, da cuidadosa exegese ou da ousada proclamação do evangelho. Verdade absoluta e certeza racional estão atualmente fora de moda. A pregação bíblica autoritária é criticada como muito dogmática. É raro hoje em dia ouvir um pregador desafiar a opinião popular com um ensinamento claro da Palavra de Deus e sublinhar a verdade com um firme e resoluto "Assim diz o SENHOR".

Ironicamente, surgiu uma nova classe de profetas que nomearam a si mesmos. Estes charlatões religiosos apregoam seus próprios sonhos e visões com uma frase diferente: "O Senhor me disse..." Isso é misticismo, e ele vitima pessoas que buscam alguma verdade secreta que será acrescentada à simplicidade da Palavra de Deus, que é toda-suficiente e que nos foi dada uma vez por todas.

Um bem conhecido pastor carismático disse-me que uma vez ou outra, de manhã, quando está a se barbear, Jesus entra em seu banheiro e põe seu braço em redor dele e conversam. Ele acredita mesmo nisso? Eu não sei. Talvez queira que as pessoas pensem que ele tem mais intimidade com Cristo do que a maioria de nós. Seja qual for o caso, sua experiência está em grave contraste com os relatos bíblicos das visões celestiais. Isaías ficou aterrorizado quando viu o Senhor e imediatamente confessou seu pecado (Isaías 6.5). Manoá temeu por sua vida e disse a sua esposa: "Certamente morreremos, porque vimos a Deus" (Juízes 13.22). Jó arrependeu-se no pó e na cinza (Jó 42.5-6). Os discípulos ficaram petrificados (Lucas 8.25). Pedro disse a Jesus: "Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador" (Lucas 5.8). Cada um deles ficou perplexo com um senso de pecaminosidade e temeu o juízo. Como alguém poderia casualmente falar e se barbear enquanto na presença de um Deus tão infinitamente santo?

Um jornal local recentemente falou de um bem conhecido tele-evangelista que, disse ele, ao tirar uma soneca em sua casa, de repente, o próprio Satanás apareceu, pegou-lhe pelo pescoço com as duas mãos e tentou estrangulá-lo até morrer. Quando ele gritou, sua esposa veio correndo à sala e espantou o diabo. Através dos anos, esse mesmo homem tem relatado outras experiências bizarras.

Francamente eu não creio em relatos como esse. Além do fato de quase sempre não se alinharem com a verdade bíblica, eles afastam as pessoas da verdade de Cristo. As pessoas começam a buscar experiências paranormais, fenômenos supernaturais e revelações especiais — como se nossos recursos em Cristo não fossem o bastante. Elas tecem suas perspectivas a respeito de Deus e da verdade espiritual baseadas em seus sentimentos que elas mesmas geram e autenticam, os quais se tornam mais importantes para elas do que a própria Bíblia. Em suas mentes, criam experiências a partir das quais desenvolvem um sistema de crença que simplesmente não é verdadeiro, se expondo ainda mais à decepção e até mesmo a influências demoníacas. Esse é o legado do misticismo.

O misticismo também destrói o discernimento. Porque as pessoas pensariam por si mesmas ou comparariam o que lhes é ensinado com a Escritura, quando seus professores alegam receber a verdade diretamente do céu? Assim o misticismo se torna um instrumento através do qual líderes inescrupulosos podem extrair dinheiro e honra do rebanho, por meio de experiências fabricadas, tirando vantagem da ingenuidade das pessoas.

O pastor de uma grande igreja em nossa cidade queria mudar a igreja para um outro lugar. A idéia não era muito popular entre alguns membros da sua congregação, mas ele lhes convenceu de que era a vontade de Deus, ao apelar para o misticismo. Ele lhes disse que em três diferentes ocasiões o Senhor mesmo lhe havia falado, instruindo-lhe a mudar a igreja para certa localização. O pastor declarou que na terceira ocasião o Senhor lhe disse: "Chegou a hora. Deixe o problema comigo. Eu vou agir em muitos corações. Alguns não entenderão. Alguns não vão seguir. A maioria irá. Vá, cumpra minha ordem". Esta é uma citação textual do boletim da igreja.

Quando o pastor apresentou o plano à sua congregação, ele o comparou ao desafio que Calebe e Josué fizeram aos israelitas para entrarem na Terra Prometida (Números 13.30). Depois ele acrescentou:

Se você não consegue ter a visão do belo plano de Deus, eu entenderei, mas é essencial que nossa igreja enfrente esta oportunidade de seguir o plano de Deus. Se você não for conosco, eu entenderei. Eu não vou pensar de você como mau ou destrutivo... eu quero que marchemos em frente com o plano de Deus e quero que cada um de vocês venha comigo. Você vai se alegrar de ter feito assim, e Deus vai lhe abençoar por isso.

Essa é a clássica intimidação de um apelo ao misticismo! Este homem com efeito renunciou a toda responsabilidade por seu plano e a colocou sobre Deus. Fazendo isso, ele retirou a decisão do seu povo e de outros líderes da igreja e a baseou em seus próprios sentimentos inconfiáveis. Ele sugeriu que qualquer um que discordasse do seu plano estaria se opondo à vontade de Deus e correria o risco de incorrer no mesmo destino que os incrédulos israelitas sofreram, quando se recusaram a entrar em Canaã!

Talvez Deus quisesse que aquela igreja mudasse — essa não é a questão. Porém, o apelo do pastor a seus próprios sentimentos místicos, subjetivos e autenticados por ele mesmo estava errado. A Escritura é clara em que tais decisões devem ser feitas com base em um acordo sábio, unânime e regado com orações, entre anciãos cheios do Espírito que buscam a vontade de Deus na Escritura, não em caprichos místicos de um homem.

Lembram-se de Oral Roberts e sua famosa alegação de que Deus o mataria, se os ouvintes não enviassem milhões de dólares para sua organização? Através dos anos, ele tem feito semelhantes apelos fantásticos, indo desde promessas de um milagre por uma determinada soma de dinheiro, até a afirmação de que Deus revelaria a ele a cura do câncer, se todos enviassem várias centenas de dólares. Esse tipo de extorsão se torna possível porque muitos cristãos não reconhecem o erro do misticismo. Eles querem apoiar o que Deus está fazendo, mas não sabem discernir as coisas biblicamente. Conseqüentemente, eles são indiscriminados no dar. Alguns enviam enormes somas de dinheiro na esperança de comprar um milagre. Ao fazerem isso, eles pensam estar demonstrando grande fé, mas na realidade estão demonstrando grande desconfiança na suficiência de Cristo. Aquilo que eles pensam ser fé em Cristo é, de fato, dúvida em busca de provas. Deste modo, pessoas fracas são presas fáceis das falsas promessas do misticismo.

Pregadores que confrontam os ensinos místicos sempre são estigmatizados como críticos, sem amor ou causadores de divisão. Assim, o misticismo tem fomentado uma tolerância ao falso e negligente ensino. Mas a ordem bíblica é clara: nós devemos ser apegados "à palavra fiel que é segundo a doutrina, de modo que tenha poder, assim para exortar pelo reto ensino como para convencer os que contradizem" (Tito 1.9).

Não existe plano mais alto — nenhuma experiência sobrepujante ou vida mais profunda. Cristo é tudo em todos. Agarre-se a Ele. Cultive seu amor por Ele. Somente nEle você é completo!

Cristo + Ascetismo

Numa manhã de domingo, eu estava terminando de pregar quando, de repente, um homem se aproximou do púlpito, gritando em alta voz: "Eu tenho algo a dizer. Eu tenho algo a dizer!" Antes que os porteiros pudessem escoltá-lo para fora, o gravador captou o que ele gritara à congregação: "Vocês são falsos religiosos, hipócritas materialistas. Se vocês amassem mesmo a Deus, se livrariam de seus carros e casas luxuosas e dariam tudo o que têm aos pobres. Vocês serviriam a Deus na pobreza como o fez Jesus". Essa era a opinião dele a respeito de espiritualidade, e ele queria que todo mundo soubesse. Felizmente, esse tipo de comportamento é incomum. Mas esse conceito a respeito de espiritualidade não é nada incomum. Ele é chamado de ascetismo, e tem ameaçado a igreja por séculos. De fato, foi um dos heréticos aditivos sobre os quais Paulo advertira os cristãos em Colossos a evitarem:

"Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças: Não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquilo outro, segundo os preceitos e doutrinas dos homens? pois que todas estas cousas, com o uso, se destroem. Tais cousas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e falsa humildade, e rigor ascético; todavia não tem valor algum contra a sensualidade." (Colossenses 2.20-23)

Um asceta é alguém que vive uma vida de rigorosa auto-abnegação como meio de adquirir perdão de Deus. Os extremos do ascetismo são em geral associados ao monasticismo, que apelava a pessoas que acreditavam que a expiação do pecado e, portanto, a verdadeira espiritualidade exigia pobreza extrema ou renúncia de tudo, para que alguém se tornasse uma freira ou um monge.

Nosso Senhor requer que tomemos nossa cruz e o sigamos, e há muitos testemunhos das bênçãos provenientes da auto-renúncia. Biblicamente, ela não é uma tentativa de obter perdão ou espiritualidade através de auto-humilhação. Ao contrário, é uma resposta voluntária de um coração dedicado a servir a Cristo a qualquer custo. O ascetismo é um assunto diferente. Ele é motivado por orgulho, e não pela humildade; é uma tentativa de realizar, na energia da carne, um relacionamento justo com Deus, o que só pode acontecer através de uma transformação divina por meio da fé em Jesus Cristo.

Paulo disse que morremos "com Cristo para os rudimentos do mundo" (Colossenses 2.20). Isso significa que não estamos algemados a nenhum sistema religioso que exige algum tipo de abstinência para nos tornarmos aceitáveis a Deus. Os ensinos ascéticos não são sábios nem mesmo úteis. Ao contrário, eles são enganosos ou destrutivos, porque simulam sabedoria e estabelecem um falso padrão de espiritualidade — um padrão que "não tem valor algum contra a sensualidade" (v. 23).

"Não tem valor algum contra a sensualidade" é uma frase difícil de interpretar. Ela pode significar que falsos padrões de espiritualidade marcados pelo legalismo não têm valor para combater os desejos da carne. Isso certamente é verdade. O ascetismo não pode restringir a carne. É por isso que tantos cristãos legalistas caem em obscena imoralidade.

Mais provável, porém, é que a frase signifique que falsos padrões de espiritualidade servem apenas para satisfazer a carne. O ascetismo, que cria um padrão para si mesmo, exalta a carne e faz a pessoa orgulhar-se de seus sacrifícios, visões e realizações espirituais. Tal ascetismo afasta de Cristo e escraviza sua vítima ao orgulho carnal.

Cristo + Nada!

Devemos nos agarrar à suficiência de Cristo — nunca acrescentando a ela, nem retirando dela. Todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos nEle (Colossenses 2.3). Toda a plenitude da Divindade habita corporalmente nEle (2.9). Temos sido aperfeiçoados nEle (2.10). E nada jamais nos pode separar dEle (Romanos 8.35-39). Do que mais necessitamos?

Há alguns anos, fui convidado para apresentar o evangelho a um grupo de atores e atrizes num hotel em Hollywood. Aquele era um ambiente estranho para mim, mas estava grato pela oportunidade de apresentar Cristo para eles. Falei por mais ou menos quarenta e cinco minutos, e depois desafiei as pessoas a confiarem em Cristo para a salvação.

Logo após, um jovem veio a mim e me apertou a mão. Ele era um belo e jovem ator da índia, que viera a Hollywood em busca do estrelato. Ele me disse: "Seu discurso foi fascinante e constrangedor. Eu quero Jesus Cristo na minha vida". Fiquei entusiasmado e sugeri que fôssemos a uma sala ao lado, onde teríamos privacidade para conversar e orar.

Caminhamos para lá e sentamo-nos. Depois ele disse: "Eu sou um islamita. Tenho sido islamita por toda a minha vida. Agora eu quero ter a Cristo". Eu estava um pouco perplexo, pois nunca levara um islamita a Cristo e não esperava que um deles fosse responder tão facilmente ao evangelho. Eu expliquei em mais detalhes o que significava abrir o coração para Cristo, então sugeri que orássemos juntos.

Quando nos ajoelhamos, ele convidou Jesus para entrar em sua vida. Depois eu orei por ele e nos levantamos. Eu estava feliz; ele estava sorrindo e apertou minha mão com firmeza. Mas, então, ele fez uma declaração trágica e reveladora: "Não é maravilhoso? Agora eu tenho duas religiões: cristianismo e islamismo".

Entristecido por causa do óbvio engano dele a respeito do evangelho, eu cuidadosamente expliquei para ele que o cristianismo não funciona assim. Jesus não é alguém que simplesmente podemos acrescentar a qualquer outra religião a qual já seguimos. Deve-se dar as costas para o erro e abraçar a Cristo como único Senhor (1 Tessalonicenses 1.9). Jesus mesmo disse: "Ninguém pode servir a dois senhores" (Mateus 6.24). Você desiste de todos os outros mestres para ganhar a Cristo, que é a pérola de grande valor (13.44-46). Ele recebe a sua vida integralmente e você O recebe plenamente (16.24-26).

Mas, como o jovem rico que rejeitou a Cristo para se apegar às suas riquezas (Lucas 18.18-23), aquele jovem ator não estava disposto a trocar sua falsa religião pelo Único que poderia salvar-lhe a alma. Ele se foi sem Cristo.

Você está descansando e confiando na suficiência de Cristo? Cristo é tudo para você? Se é, agradeça-lhe por sua plenitude. Se não, talvez você esteja confiando na falha, enganosa e inepta sabedoria humana; em rituais religiosos sem significação; ou em algum tipo de experiência mística criada em sua própria mente e sem relação com a realidade. Talvez você tenha pensado que sua própria auto-renúncia ou o sofrimento que você impôs a si mesmo de algum modo irá ganhar o favor de Deus. Se esse é o caso, ponha tudo isso de lado e com simples fé, como de uma criança, abrace o Cristo ressurreto como seu Senhor e Salvador. Ele lhe dará completa salvação, completo perdão e completa vitória. Tudo que você necessita na dimensão espiritual, no presente e na eternidade, se encontra nEle. Arrependa-se de seu pecado e submeta a Ele a sua vida!

* * *

1. Adolf Schlatter, citado por EF. Bruce, The Epistles to the Colossians, to Philemon, and to the Ephesians (As Epístolas aos Colossenses, a Filemom e aos Efésios) (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1984), pág. 98.
2. Flavius Josephus, The Jewish Wars (As Guerras Judaicas) II, VIII 2.
Arthur Johnson, Faith Misguided: Exposing the Dangers of Mysticism (A Fé Mal Direcionada: Uma Exposição do Perigo do Misticismo) (Chicago: Moody, 1988), págs. 20-23

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Por Que Não Abraço a “Espiritualidade” - Augustus Nicodemus Lopes

Existe em todo mundo um movimento entre católicos e protestantes que visa resgatar a mística medieval, especialmente as práticas e as disciplinas espirituais dos cristãos da Idade Média como modelo para uma nova espiritualidade hoje, em reação à frieza, carnalidade e mundanismo da cristandade moderna. Esse movimento é geralmente conhecido como “espiritualidade” e tem atraído não poucos líderes católicos e protestantes. Apesar do nome, é bom lembrar que existem importantes diferenças entre esse movimento e a busca tradicional de uma vida espiritual mais profunda por parte do Cristianismo histórico.


Que esse movimento tenha adeptos entre os católicos, não é de admirar, pois é entre eles que está a sua origem e se encontram seus ícones. O que espanta é sua presença entre os protestantes, e mesmo aqueles de convicções mais conservadoras.

Eu até entendo o motivo pelo qual o movimento de espiritualidade tem conseguido atrair pastores e líderes das igrejas históricas e conservadoras em nosso país. Primeiro, porque existe uma decepção justificada da parte desses líderes diante da falta das práticas devocionais em boa parte dos que são teologicamente mais conservadores. Infelizmente, os quartéis conservadores abrigam pastores assim, que não oram, não jejuam, não gastam tempo lendo a Palavra e meditando nela, buscando uma comunhão mais profunda com Deus e a plenitude do seu Espírito Santo.

Ainda hoje estava falando com outro colega pastor que se queixava de colegas de ministério que ficam na cama até perto do meio dia, que gastam a maior parte do tempo na internet, que não trabalham, não evangelizam, não gastam tempo com Deus e com o rebanho, e que vão levando o ministério nessa farsa. Não é de espantar que suas igrejas sejam minúsculas, problemáticas e que eles não se demorem muito tempo em um mesmo local. E que, quando saem, deixam atrás de si um rastro de destruição, confusão, insatisfação e problemas não resolvidos. É lógico que esses não representam a totalidade dos pastores conservadores, e muito menos a teologia reformada, que tradicionalmente sempre valorizou a vida de piedade ao lado do cultivo intelectual da mente. Todavia, o fato de que permanecem anos a fio em seus presbitérios e convenções, enterrando igrejas, criando problemas, sem que sejam questionados ou confrontados, dá aos demais conservadores ares de cumplicidade e abre portas para que movimentos como esse da espiritualidade encontre mentes e corações ávidos, cansados da frieza, carnalidade e politicagem que encontram entre os conservadores.

Segundo, existe no próprio meio conservador um desencanto com a piedade pentecostal que já teve melhores dias entre nós. Muitos pastores conservadores que um dia se sentiram atraídos pelas ofertas do pentecostalismo, de batismo com o Espírito Santo, falar em línguas, sonhos e visões, profecias, sinais e prodígios, têm recuado diante da aparente superficialidade e da ênfase desmedida nas experiências, que são características desse movimento. Eles querem uma piedade mais solidamente enraizada nas Escrituras e que ofereça alguma salvaguarda para os exageros, falsificações e eventuais interferências humanas nas experiências. É quando surge o movimento de espiritualidade, que se distancia do pentecostalismo em vários aspectos e promete aquilo que todos desejam, uma proximidade com Deus nunca dantes experimentada mediante as práticas devocionais, sem os abusos da experiência pentecostal.

Outro atrativo no movimento é que ele se reveste de um misticismo que apela profundamente às almas que por natureza são mais piedosas e religiosas, as quais também se encontram dentro dos limites da tradição mais conservadora. Para tais pessoas, a idéia de se gastar tempo em silêncio contemplando o divino, ouvindo a voz de Deus, penetrando os tabernáculos celestes, tocando nas vestes de Cristo, mortificando a carne e suas paixões mediante o jejum e abstinência de alguns confortos terrenos e físicos, é um atrativo poderoso, como sempre foi através da história da Igreja.

Eu confesso, todavia, que nunca me senti realmente atraído por esse tipo de espiritualidade. Não gostaria de pensar que isso é porque eu sou um daqueles pastores frios e sem o Espírito Santo que mencionei em algum parágrafo acima. Há quem concorda totalmente com essa avaliação a meu respeito. Mas, deixarei nas mãos de Deus o veredicto sobre isso. Conscientemente, não me sinto interessado nessa espiritualidade, acima de tudo, pelo fato de que ela é defendido por padres e leigos católicos e que, entre os protestantes, ganhou muitos adeptos e defensores da parte dos liberais. Desconfio de tudo que os liberais apóiam e defendem.

Não estou dizendo que todos os protestantes que adotaram ou aderiram ao movimento de espiritualidade são liberais. Conheço uma meia dúzia que não é. Deve haver muitos outros. O que estou dizendo é que, para mim, é no mínimo intrigante que os liberais, que sempre se disseram progressistas e amantes do novo, defendam com tanto interesse um modelo de espiritualidade que tem como ícones monges e freiras católicos da Idade Média e o tipo de práticas espirituais deles.

Não discordo de tudo que os defensores da espiritualidade pregam. Quebrantamento, despojamento, mortificação, humildade, amor ao próximo são conceitos bíblicos. E encontramos vários desses conceitos defendidos pelos seguidores da espiritualidade. Meu problema não é tanto o que eles dizem – embora eu pudesse apontar um ou outro ponto de discordância conceitual, mas o que eles não dizem ou dizem muito baixinho, a ponto de se perder no cipoal de outros conceitos.

Sinto falta, por exemplo, de uma ênfase na justificação pela fé em Cristo, pela graça, sem as obras ou méritos humanos, como raiz da espiritualidade. Uma espiritualidade que não se baseia na justificação pela fé e que nasce dela está fadada a virar, em algum momento, uma tentativa de justificação pela espiritualidade ou piedade pessoal. Não estou dizendo que os defensores da espiritualidade negam a justificação pela fé somente – talvez os defensores católicos o façam, pois a doutrina católica de fato anatematiza quem defende a salvação pela fé somente. O que estou dizendo é que não encontro essa ênfase à justificação pela fé em Cristo nos escritos que defendem a espiritualidade.

Sinto falta, igualmente, de uma declaração mais aberta e explícita que a espiritualidade começa com a regeneração, o novo nascimento, e que somente pessoas que nasceram de novo e foram regeneradas pelo Espírito Santo de Deus, que são uma nova criatura, um novo homem, é que podem realmente se santificar, crescer espiritualmente e ter comunhão íntima com Deus. A ausência da doutrina da regeneração no movimento pode dar a impressão de que por detrás de tudo está a idéia de que a religiosa natural, inata, do ser humano, por causa da imago dei, é suficiente para uma aproximação espiritual em relação a Deus mediante o emprego das práticas devocionais.

O caráter progressivo na santificação também está faltando na pregação do movimento. Quando não mantemos em mente o fato de que a santificação é imperfeita nesse mundo, que nunca ficaremos aqui totalmente livres da nossa natureza pecaminosa e de seus efeitos, facilmente podemos nos inclinar para o perfeccionismo, que ao fim traz arrogância ou frustração.
Também gostaria de ver mais claramente explicado o que significa imitar a Jesus como uma das características da vida cristã. Pois, até onde sei, Jesus não era cristão. A religião dele era totalmente diferente da nossa. Nós somos pecadores. Jesus não era. Logo, ele não se arrependia, não pedia perdão, não mortificava uma natureza pecaminosa, não lamentava e chorava por seus pecados. Ele não orava em nome de alguém e nem precisava de um mediador entre ele e Deus. Ele não tinha consciência de pecado e nem sentia culpa – a não ser quando levou sobre si nossos pecados na cruz. Ele não precisava ser justificado de seus pecados e nem experimentava o processo crescente e contínuo de santificação. A religião de Jesus era a religião do Éden, a religião de Adão e Eva antes de pecarem. Somente eles viveram essa religião. Nós somos cristãos. Eles nunca foram. Jesus nunca foi. Como, portanto, vou imitá-lo nesse sentido?

É esse tipo de definição e esclarecimento que sinto falta na literatura da espiritualidade, que constantemente se refere à imitação de Cristo sem maiores qualificações. Quando vemos Jesus somente como exemplo a ser seguido, podemos perdê-lo de vista como nosso Senhor e Salvador. Quando o Novo Testamento fala em imitarmos a Cristo, é sempre em sua disposição de renunciar a si mesmo para fazer a vontade de Deus, sofrendo mansamente as contradições (Filipenses 2:5; 1Pedro 2:21). Mas nunca em imitarmos a Jesus como cristão, em suas práticas devocionais e na sua espiritualidade.

Faltam ainda outras definições em pontos cruciais. Por exemplo, o que realmente significa “ouvir a voz de Deus”, algo que aparece constantemente no discurso dos defensores da espiritualidade? Quando fico em silêncio, meditando nas Escrituras, aberto para Deus, o que de fato estou esperando? Ouvir a voz de Deus com esses ouvidos que um dia a terra há de comer? Ouvir uma voz interior, como os Quackers? Sentir uma presença espiritual poderosa, definida, que afeta inclusive meu corpo, com tremores, arrepios? Ver uma luz interior, ou até mesmo ter uma visão do Cristo glorificado e manter diálogos com ele, como Teresa D’Ávila, Inácio de Loyola, a freira Hildegard e mais recentemente Benny Hinn? Ou talvez essa indefinição do que seja “ouvir a voz de Deus” seja intencional, visto que a indefinição abriga todas as coisas mencionadas acima e outras mais, unindo por essas experiências vagas pessoas das mais diferentes persuasões doutrinárias e teológicas, como católicos e evangélicos, conservadores e liberais?

Por fim, entendo que biblicamente os meios exteriores e ordinários pelos quais Cristo comunica à sua Igreja os benefícios de sua mediação, de seu sacrifício e de sua ressurreição, são a Palavra, os sacramentos e a oração. Outros meios, como, silêncio, meditação, contemplação, isolamento, mortificação asceta do corpo, não são reconhecidos como meios de graça, embora possam ter algum valor temporal acessório às ordenanças de Cristo. Como ensinou Paulo, seguir uma lista daquilo que podemos ou não podemos manusear, tocar e provar tem “aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético; todavia, não tem valor algum contra a sensualidade” (Col 2:20-23).

Por todos esses motivos acima, nunca realmente me senti interessado na espiritualidade proposta por esse movimento. Parece-me uma tentativa de elevação espiritual sem a teologia bíblica, uma tentativa de buscar a Deus por parte de quem já desistiu da doutrina cristã, das verdades formuladas nas Escrituras de maneira proposicional. Prefiro a espiritualidade evangélica tradicional, centrada na justificação pela fé, que enfatiza a graça de Deus recebida mediante a Palavra, os sacramentos e a oração e que vê a santidade como um processo inacabado nesse mundo, embora tendo como alvo a perfeição final.

Franklin Ferreira, conversando comigo sobre esse assunto, escreveu o que se segue, que reproduzo literalmente por retratar de forma sintética e profunda o que considero o principal problema com a espiritualidade defendida pelo movimento que leva esse nome:


Acho que você conhece a distinção que Lutero fez entre a "teologia da glória" e a teologia da cruz". Muito do movimento de espiritualidade moderno cai, justamente, no que Lutero chamou de "teologia da glória", a tentativa de chegar a Deus de forma imediata, ou por meio de legalismo (mortificação, flagelação da carne, etc.), especulação teológica (como no liberalismo de Tillich ou no misticismo (as escadas da ascensão da alma para o céu, com a necessária purgação, mortificação e iluminação). Note que nessas três escadas, o que se fala é da união da alma de forma imediata com Deus, sem a mediação de Cristo crucificado. Para Lutero, o fiel só encontra Deus não nas manifestações de poder que supostamente cercam as três escadas, mas em fraqueza, na cruz, pois por meio dela somos justificados.
Enfim. Deus me guarde de ir contra a busca de uma vida cristã superior, de desenvolver a vida interior. Que Ele igualmente me guarde de qualquer tentativa de alcançar isso que não esteja solidamente embasada em Sua Palavra.

Fonte: http://tempora-mores.blogspot.com

Por que os Protestantes Históricos no Brasil Nunca Tiveram um Canal de Televisão - Augustus Nicodemus Lopes

Semana passada, quando a mídia cobriu exaustivamente a decretação da prisão preventiva de Estêvam e Sônia Hernandes, donos da Renascer, li na Folha de São Paulo que o lema do casal, quando fundou a igreja, era "ganhar o Brasil e o mundo através da mídia". E de fato, estavam caminhando para isso. Donos de um canal de televisão e dezenas de emissoras de rádio pelo Brasil, onde tinham aberto cerca de 1.500 igrejas, a denominação do casal Hernandes só perdia em números para a Universal do Reino de Deus, a maior igreja neopentecostal do Brasil.

O poder da mídia na formação e crescimento de novas igrejas no Brasil é evidente. As duas maiores igrejas neopentecostais do Brasil, a Universal e a Renascer, são donas de canais de TV e emissoras de rádio. Mesmo denominações neopentecostais menores, como Deus é Amor, investem pesado no rádio. E as igrejas históricas, como presbiterianas, batistas, congregacionais, por exemplo? Afinal, estamos aqui no Brasil há mais de cem anos, enquanto que a Renascer tem 25 anos.

Os motivos pelos quais, na minha avaliação, as igrejas históricas nunca ocuparam -- e dificilmente ocuparão -- espaço significativo no rádio e na televisão, são os seguintes:

1) Falta de interesse maior na pregação feita pelo rádio e pela televisão, gerada pela desconfiança intrínseca quanto aos resultados da mídia, uma vez que as igrejas tradicionais sempre focam no discipulado. A mídia é insuperável para marcar a presença e a identidade de igrejas, mas o retorno em termos de fiéis comprometidos e doutrinados é baixo. Pesquisa feita há dez anos por Thom Rainer nos Estados Unidos entre igrejas tradicionais mostrou que os métodos que continuam enchendo igrejas com membros consistentes são a pregação bíblica dos púlpitos, a escola dominical e o evangelismo por amizade (Thom Rainer, Effective Evangelistic Churches: Successful Churches Reveal what Works and what Doesn't, 1996). Pode ser que essa realidade mudou agora, mas duvido muito. Além disso, depois que a televisão foi dominada por programas neopentecostais evangélicos e católicos, ficou "queimada", no dizer de um amigo meu, como veículo de credibilidade para transmitir a mensagem séria e fiel da Palavra de Deus, afastando ainda mais os tradicionais.

2) Escândalos acontecidos com televangelistas geralmente ganham repercussão nacional na mídia e respingam sobre todos os evangélicos. E não são poucos os acontecidos nos últimos dez anos: Jimmy Swaggart, Rex Humbard, Jim Bakker, Ted Haggard, Caio Fábio, e agora os Hernandes, para mencionar alguns. A mídia dá enorme destaque aos televangelistas quando cometem erros, especialmente de natureza sexual e financeira. Por isso, muitas igrejas históricas são avessas a holofotes demais para seus ministros. Por falar em escândalos, investigações recentes da Polícia Federal sobre "rádios piratas" na grande São Paulo identificam que boa parte delas são de igrejas evangélicas ou operadas por elas.

3) As denominações são estruturadas hierarquicamente e não são de uma pessoa só, ao contrário das igrejas neopentecostais que têm fundadores, como a Universal, Renascer e Deus é Amor. Não resta dúvida nessas igrejas quem vai empunhar o microfone em frente às câmeras: é o fundador e dono, ou quem ele permitir. Nas igrejas tradicionais isso geraria um problema que nem sempre se resolve em termos de mérito e capacidade: quem vai ser o apresentador e o pregador principal?

4) As igrejas históricas têm capacidade reduzida de alavancar grandes recursos e somas vultosas de dinheiro a curto prazo. Igrejas e pastores tradicionais têm escrúpulos de pedir muito dinheiro aos fiéis e infiéis, especialmente para programas de televisão. Não funciona mesmo. E mesmo que pedissem e recebessem, esbarrariam na questão da contabilização: grande parte dos recursos contabilizados pode ir para o fisco. Contabilizamos ou não? Quem decide? O assunto vai parar em algum concílio pelas vias hierárquicas e quando a decisão chegar, já passou a oportunidade de comprar o canal de televisão ou programa de rádio.

5) As igrejas tradicionais [ainda] não têm apóstolos que possam assegurar ao povo que Deus vai dar um canal de televisão à denominação se todos contribuirem com tudo o que tiverem. Oral Roberts e T. L. Orborn chegaram a afirmar que morreriam ou seriam punidos por Deus se o povo não levantasse milhões e milhões de dólares para construção de igrejas e programas de mídia. Dificilmente os presbiterianos acreditariam se eu viesse com essa história...

6) Igrejas tradicionais não elegeram políticos que podem apadrinhar as concessões. As igrejas neopentecostais foram mais espertas e elegeram deputados e senadores que certamente terão condições de dar uma palavrinha nos órgãos governamentais a favor de concessões para suas denominações. As igrejas históricas sempre terão dificuldades nessa área, especialmente as reformadas, que vêm os políticos evangélicos, não como tarefeiros das igrejas, mas como responsáveis pela coisa pública e pelo bem comum. E como sem o apadrinhamento político dificilmente se consegue espaço hoje na grande mídia, as igrejas históricas permanecerão à parte por mais tempo.

7) Igrejas tradicionais teriam muitos problemas na hora de alugar o tempo de sua rede de televisão particular. As igrejas que têm uma estação de televisão geralmente ocupam apenas uma parte do tempo e o restante do segmento tem que ser alugado para que gere recursos -- vide a Record e a RIT (do R.R. Soares). E nessa hora, as denominações históricas teriam escrúpulos para alugar esse segmento para programas de conotação sexual, baixaria, violência, etc. etc. Se forem alugar o segmento somente para programas limpos, jamais poderão pagar as despesas de manutenção do canal no ar. E agora?

Eu lamento muito que nós, protestantes históricos, perdemos o bonde nessa área. Talvez não seja tarde ainda para sonhar que um dia poderemos ter muitos bons programas de rádio e televisão alcançando o país, voltados genuinamente para a promoção da glória de Deus, a salvação de pecadores e a edificação da Igreja de Cristo, em vez de veículos de promoção pessoal.

Fonte: http://tempora-mores.blogspot.com

A Alma Católica dos Evangélicos no Brasil - Augustus Nicodemus Lopes

Os evangélicos no Brasil nunca conseguiram se livrar totalmente da influência do Catolicismo Romano. Por séculos, o Catolicismo formou a mentalidade brasileira, a sua maneira de ver o mundo ("cosmovisão"). O crescimento do número de evangélicos no Brasil é cada vez maior – segundo o IBGE, seremos 40 milhões esse ano de 2006 – mas há várias evidências de que boa parte dos evangélicos não tem conseguido se livrar da herança católica.

É um fato que conversão verdadeira (arrependimento e fé) implica numa mudança espiritual e moral, mas não significa necessariamente uma mudança na maneira como a pessoa vê o mundo. Alguém pode ter sido regenerado pelo Espírito e ainda continuar, por um tempo, a enxergar as coisas com os pressupostos antigos. É o caso dos crentes de Corinto, por exemplo. Alguns deles haviam sido impuros, idólatras, adúlteros, efeminados, sodomitas, ladrões, avarentos, bêbados, maldizentes e roubadores. Todavia, haviam sido lavados, santificados e justificados "em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus" (1Co 6.9-11) sem que isso significasse que uma mudança completa de mentalidade houvesse ocorrido com eles. Na primeira carta que lhes escreve, Paulo revela duas áreas em que eles continuavam a agir como pagãos: na maneira grega dicotômica de ver o mundo dividido em matéria e espírito (que dificultava a aceitação entre eles das relações sexuais no casamento e a ressurreição física dos mortos – capítulos 7 e 15) e o culto à personalidade mantido para com os filósofos gregos (que logo os levou à formar partidos na igreja em torno de Paulo, Pedro, Apolo e mesmo o próprio Cristo – capítulos 1 a 4). Eles eram cristãos, mas com a alma grega pagã.

Da mesma forma, creio que grande parte dos evangélicos no Brasil tem a alma católica. Antes de passar às argumentações, preciso esclarecer um ponto. Todas as tendências que eu identifico entre os evangélicos como sendo herança católica, no fundo, antes de serem católicas, são realmente tendências da nossa natureza humana decaída, corrompida e manchada pelo pecado, que se manifestam em todos os lugares, em todos os sistemas e não somente no Catolicismo. Como disse o reformado R. Hooykas, famoso historiador da ciência, “no fundo, somos todos romanos” (Philosophia Liberta, 1957). Todavia, alguns sistemas são mais vulneráveis a essas tendências e as absorveram mais que outros, como penso que é o caso com o Catolicismo no Brasil. E que tendências são essas?

1) O gosto por bispos e apóstolos – Na Igreja Católica, o sistema papal impõe a autoridade de um único homem sobre todo o povo. A distinção entre clérigos (padres, bispos, cardeais e o papa) e leigos (o povo comum) coloca os sacerdotes católicos em um nível acima das pessoas normais, como se fossem revestidos de uma autoridade, um carisma, uma espiritualidade inacessível, que provoca a admiração e o espanto da gente comum, infundindo respeito e veneração. Há um gosto na alma brasileira por bispos, catedrais, pompas, rituais. Só assim consigo entender a aceitação generalizada por parte dos próprios evangélicos de bispos e apóstolos auto-nomeados, mesmo após Lutero ter rasgado a bula papal que o excomungava e queimá-la na fogueira. A doutrina reformada do sacerdócio universal dos crentes e a abolição da distinção entre clérigos e leigos ainda não permearam a cosmovisão dos evangélicos no Brasil, com poucas exceções.

2) A idéia que pastores são mediadores entre Deus e os homens – No Catolicismo, a Igreja é mediadora entre Deus e os homens e transmite a graça divina mediante os sacramentos, as indulgências, as orações. Os sacerdotes católicos são vistos como aqueles através de quem essa graça é concedida, pois são eles que, com as suas palavras, transformam, na Missa, o pão e o vinho no corpo e no sangue de Cristo; que aplicam a água benta no batismo para remissão de pecados; que ouvem a confissão do povo e pronunciam o perdão de pecados. Essa mentalidade de mediação humana passou para os evangélicos, com algumas poucas mudanças. Até nas igrejas chamadas históricas os crentes brasileiros agem como se a oração do pastor fosse mais poderosa do que a deles, e que os pastores funcionam como mediadores entre eles e os favores divinos. Esse ranço do Catolicismo vem sendo cada vez mais explorado por setores neopentecostais do evangelicalismo, a julgar por práticas já assimiladas como “a oração dos 318 homens de Deus”, “a prece poderosa do bispo tal”, “a oração da irmã fulana, que é profetisa”, etc.

3) O misticismo supersticioso no apego a objetos sagrados
– O Catolicismo no Brasil, por sua vez influenciado pelas religiões afro-brasileiras, semeou misticismo e superstição durante séculos na alma brasileira: milagres de santos, uso de relíquias, aparições de Cristo e de Maria, objetos ungidos e santificados, água benta, entre outros. Hoje, há um crescimento espantoso entre setores evangélicos do uso de copo d’água, rosa ungida, sal grosso, pulseiras abençoadas, pentes santos do kit de beleza da rainha Ester, peças de roupa de entes queridos, oração no monte, no vale; óleos de oliveiras de Jerusalém, água do Jordão, sal do Vale do Sal, trombetas de Gideão (distribuídas em profusão), o cajado de Moisés... é infindável e sem limites a imaginação dos líderes e a credulidade do povo. Esse fenômeno só pode se explicado, ao meu ver, por um gosto intrínseco pelo misticismo impresso na alma católica dos evangélicos.

4) A separação entre sagrado e profano – No centro do pensamento católico existe a distinção entre natureza e graça idealizada e defendida por Tomás de Aquino, um dos mais importantes teólogos da Igreja Católica. Na prática, isso significou a aceitação de duas realidades co-existentes, antagônicas e freqüentemente irreconciliáveis: o sagrado, substanciado na Santa Igreja, e o profano, que é tudo o mais no mundo lá fora. Os brasileiros aprenderam durante séculos a não misturar as coisas: sagrado é aquilo que a gente vai fazer na Igreja: assistir Missa e se confessar. O profano – meu trabalho, meus estudos, as ciências – permanece intocado pelos pressupostos cristãos, separado de forma estanque. É a mesma atitude dos evangélicos. Falta-nos uma mentalidade que integre a fé às demais áreas da vida, conforme a visão bíblica de que tudo é sagrado. Por exemplo, na área da educação, temos por séculos deixado que a mentalidade humanista secularizada, permeada de pressupostos anticristãos, eduque os nossos filhos, do ensino fundamental até o superior, com algumas exceções. Em outros países os evangélicos têm tido mais sucesso em manter instituições de ensino que além de serem tão competentes como as outras, oferecem uma visão de mundo, de ciência, de tecnologia e da história oriunda de pressupostos cristãos. Numa cultura permeada pela idéia de que o sagrado e profano, a religião e o mundo, são dois reinos distintos e frequentemente antagônicos, não há como uma visão integral surgir e prevalecer a não ser por uma profunda reforma de mentalidade entre os evangélicos.

5) Somente pecados sexuais são realmente graves A distinção entre pecados mortais e veniais feita pelo romanismo católico vem permeando a ética brasileira há séculos. Segundo essa distinção, pecados considerados mortais privam a alma da graça salvadora e condenam ao inferno, enquanto que os veniais, como o nome já indica, são mais leves e merecem somente castigos temporais. A nossa cultura se encarregou de preencher as listas dos mortais e dos veniais. Dessa forma, enquanto se pode aceitar a “mentirinha”, o jeitinho, o tirar vantagem, a maledicência, etc., o adultério se tornou imperdoável. Lula foi reeleito cercado de acusações de corrupção. Mas, se tivesse ocorrido uma denúncia de escândalo sexual, tenho dúvidas de que teria sido reeleito, ou que teria sido reeleito por uma margem tão grande. Nas igrejas evangélicas – onde se sabe pela Bíblia que todo pecado é odioso e que quem guarda toda a lei de Deus e quebra um só mandamento é culpado de todos – é raro que alguém seja disciplinado, corrigido, admoestado, destituído ou despojado por pecados como mentira, preguiça, orgulho, vaidade, maledicência, entre outros. As disciplinas eclesiásticas acontecem via de regra por pecados de natureza sexual, como adultério, prostituição, fornicação, adição à pornografia, homossexualismo, etc., embora até mesmo esses estão sendo cada vez mais aceitáveis aos olhos evangélicos. Mais um resquício de catolicismo na alma dos evangélicos?

O que é mais surpreendente é que os evangélicos no Brasil estão entre os mais anti-católicos do mundo. Só para ilustrar (e sem entrar no mérito dessa polêmica) o Brasil é um dos poucos países onde convertidos do catolicismo são rebatizados nas igrejas evangélicas. O anti-catolicismo brasileiro, todavia, se concentrou apenas na questão das imagens e de Maria, e em questões éticas como não fumar, não beber e não dançar. Não foi e não é profundo o suficiente para fazer uma crítica mais completa de outros pontos que, por anos, vêm moldando a mentalidade do brasileiro, como mencionei acima. Além de uma conversão dos ídolos e de Maria a Cristo, os brasileiros evangélicos precisam de conversão na mentalidade, na maneira de ver o mundo. Temos de trazer cativo a Cristo todo pensamento e não somente os nossos pecados. Nossa cosmovisão precisa também de conversão (2Coríntios 10.4-5).

Quando vejo o retorno de grandes massas ditas evangélicas às práticas medievais católicas de usar no culto a Deus objetos ungidos e consagrados, procurando para si bispos e apóstolos, imersas em práticas supersticiosas, me pergunto se, ao final das contas, o neopentecostalismo brasileiro não é, na verdade, um filho da Igreja Católica medieval, uma forma de neo-catolicismo tardio que surge e cresce em nosso país onde até os evangélicos têm alma católica.

Fonte: http://tempora-mores.blogspot.com

O Futuro dos Evangélicos - Augustus Nicodemus Lopes


Amigos, abaixo publico parte de entrevista cedida à Enfoque Gospel a ser publicada em breve.

ENFOQUEComo o senhor analisa hoje o cenário evangélico brasileiro?

Augustus: Vivemos um momento de grandes mudanças no cenário brasileiro evangélico, mudanças que começaram a ser gestadas quando as igrejas evangélicas em décadas passadas passaram a abandonar o referencial da Reforma protestante, o referencial da própria Escritura Sagrada, a Bíblia, e passaram a se entender como um movimento voltado para a satisfação das necessidades imediatas e materiais dos seus aderentes e a aferir o sucesso espiritual pela prosperidade material. As igrejas neopentecostais continuam a crescer e continuam a não ter rumo teológico algum, escandalizando cada vez mais a opinião pública, envergonhando os evangélicos com práticas e costumes bizarros e estranhos, e com escândalos que ganham a mídia e que revelam os intestinos dessas igrejas. Espanta-me o fato que a teologia da prosperidade continua crescendo apesar de tudo.

Mas, não é somente isso. Hoje, as igrejas evangélicas pentecostais tradicionais correm o risco de ser minadas pelo liberalismo teológico, através dos obreiros e pastores que vão buscar um diploma de teologia reconhecido pelo MEC em universidades públicas e seminários dominados pelo velho liberalismo teológico. Não há nada errado em almejar um diploma desses, mas é que as instituições credenciadas para emiti-los usam o chamado "método científico" para estudar a Bíblia, método esse que parte do pressuposto que ela é simplesmente um livro religioso e não a infalível Palavra de Deus.

As igrejas históricas continuam pequenas e sem muito poder de fogo no cenário nacional, embora sejam elas que estejam fornecendo os professores de seminários onde os demais evangélicos vão buscar diplomas reconhecidos. São elas, também, que estão na linha de frente provendo informações e estudos sobre as questões éticas que estão sendo debatidas hoje no Brasil, como, por exemplo, a lei da homofobia. Algumas dessas denominações tradicionais estão totalmente divididas internamente entre conservadores, pentecostais e liberais, que lutam por tomar o controle dessas denominações.

Em outras palavras, não vejo o atual cenário brasileiro evangélico com muito otimismo, embora recentemente tenham acontecido algumas coisas que sugerem que nem tudo está perdido. Uma denominação histórica que estava muito minada por pastores e professores de teologia liberais deu uma reviravolta e cortou toda e qualquer relação com organismos ecumênicos que envolvam o catolicismo. Para muitos foi um retrocesso, para mim, um avanço. Percebo igualmente um aumento do interesse de muitos, especialmente dos pentecostais, pela teologia reformada, pela teologia conservadora séria, erudita e pastoral, que traz um misto de profundidade e piedade. Cresce bastante o mercado de livros evangélicos com boa teologia e boa prática. Isso traz alguma esperança.

ENFOQUE: As igrejas históricas estão conseguindo sobreviver aos furos das neopentecostais?

Augustus: Em parte. Por um lado, o neopentecostalismo é tão obviamente antibíblico que a tarefa dos pastores e líderes das igrejas tradicionais fica mais fácil. Seria mais difícil se o neopentecostalismo fosse mais sutil, mais sofisticado. Mas, é um movimento de massas, levado avante no grito, na centralização do poder nas mãos de pseudo-bispos e apóstolos que manipulam as massas usando a Bíblia como pretexto para recolher milhões e milhões de reais. Não é difícil para qualquer pessoa um pouco mais esperta desconfiar do que realmente está acontecendo.

Por outro lado, o apelo que o neopentecostalismo faz à alma católica dos evangélicos é muito grande: objetos ungidos, relíquias, líderes apostólicos, prosperidades, milagres físicos – tudo herança do catolicismo na mentalidade brasileira. Mas, muitas igrejas tradicionais já estudaram o assunto e já tomaram posição sobre ele. A Igreja Presbiteriana do Brasil, por exemplo, tem veiculado cartas pastorais que instruem seus membros sobre o movimento G-12, as práticas da Universal do Reino de Deus, coreografia e dança litúrgica, para mencionar alguns. Isso ajuda os membros e pastores presbiterianos a ficarem firmes contra essas práticas.

ENFOQUE: Na sua opinião, qual será o futuro da Igreja Evangélica Brasileira?

Augustus: Como alguém já disse, “é muito difícil profetizar sobre o futuro”. O presente sugere que esse futuro não é róseo. O crescimento vertiginoso entre os evangélicos do pragmatismo, o relativismo, o liberalismo, a libertinagem, associado à desorganização e à fragmentação do movimento evangélico só pode pressagiar dias maus pela frente, a menos que Deus tenha misericórdia de Sua Igreja e intervenha de forma poderosa, como já fez várias vezes no passado.
O que mais me preocupa quanto ao futuro é que os evangélicos estão cada vez mais achando que os valores morais e doutrinários são relativos e cada vez mais abandonando o conceito de verdades absolutas e permanentes. Essa tendência é o resultado óbvio da influência do relativismo que permeia a cultura brasileira.
Uma amostragem do relativismo, que desemboca na libertinagem, pode ser encontrada em blogs, comunidades no Orkut e sites evangélicos na internet. Há comunidades evangélicas no Orkut, por exemplo, onde o sexo entre os jovens cristãos antes do casamento é defendido como se fosse absolutamente normal. Os jovens são expostos a todo tipo de doutrinação sem ter o acompanhamento de seus pastores e líderes, que via de regra não estão familiarizados com essa forma de comunicação ou não têm tempo. Pais e líderes evangélicos ficariam abismados se entrassem nessas comunidades. Por um lado, os jovens evangélicos são hoje muito mais bem informados e críticos que os de gerações anteriores. Por outro lado, receio que uma nova geração de evangélicos está se formando, em que pese o alcance ainda bastante limitado desses meios de comunicação, que verá com naturalidade a relativização dos valores morais e dos pontos doutrinários basilares do Cristianismo, com trágicos resultados para a fé e o testemunho cristãos.

Fonte: http://tempora-mores.blogspot.com